Câmara exige revogação de acórdão do Tribunal de Contas que chumbou Empresa de Cultura
No recurso, a autarquia afasta ilegalidades procedimentais e garante que o “estudo técnico que precedeu a deliberação da criação da empresa cumpre escrupulosamente todas as exigências legais”. TdC acha que não.
A Câmara do Porto não se conforma com o chumbo do Tribunal de Contas à criação da Empresa Municipal de Cultura do Porto (EMCP) e no recurso que apresentou ao TdC alega que nenhuma das razões invocadas “poderia justificar a recusa do visto”, em sede de fiscalização prévia.
A proposta do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, de constituir uma Empresa Municipal de Cultura, que asseguraria a gestão e programação de diversos equipamentos culturais municipais da cidade, foi chumbada em Março pelo TdC que lhe apontou “várias omissões” e “ilegalidades no procedimento administrativo” que culminou na deliberação da Assembleia Municipal do Porto, em Setembro de 2017.
Inconformada, a autarquia apresentou um recurso ao longo do qual desmonta as três razões que levaram o Tribunal de Contas a recusar o visto prévio. A autarquia rebate, assim, os argumentos do TdC que, no acórdão que emitiu, aponta falhas à proposta de Rui Moreira falando de “alegada violação do princípio da imparcialidade, alegada falha procedimental decorrente da inexistência dos estudos técnicos exigidos por lei e alegada insustentabilidade económico-financeira da empresa a criar”.
De acordo com o recurso, que tem a assinatura do conhecido escritório de advogados Cuatrecasas, “nenhum dos três motivos poderia justificar a recusa do visto” e o “acórdão do Tribunal de Contas enferma de um erro de julgamento” no caso da alegada insustentabilidade económico-financeira da empresa a criar e também em matéria de inexistência de estudos técnicos exigidos por lei.
Reclamando a revogação do acórdão, a câmara nega que tenha ocorrido qualquer violação do princípio da imparcialidade, pelo que o presidente do município “não se encontrava impedido de participar na elaboração de uma proposta de estatutos que contivesse uma norma que estabelecesse que, por regra, o presidente do Conselho de Administração da sociedade a criar seria o presidente da câmara municipal”. “Ora, aquela norma não só é uma regra geral e abstracta, como ali se trata de uma questão evidentemente institucional”, refere o recurso, que separa águas. “Diversa é a questão colocada relativa à subscrição pelo Exmo. Sr. presidente da Câmara Municipal do Porto da proposta de Rui Moreira para presidente do Conselho de Administração da empresa a constituir”.
Para a autarquia, “a mera subscrição dessa proposta não constitui ilegalidade (a designação dos titulares dos cargos foi objecto de deliberação final da assembleia municipal) pois o sr. presidente da Câmara do Porto não estava impedido de a subscrever”.
Quanto à falta de um estudo socio-económico como condição para a criação da Empresa Municipal de Cultura, como defende o TdC, o município diz que “não se verifica a nulidade da alegada inexistência dos estudos técnicos exigidos por lei”. Com efeito — acrescenta o recurso —, “não só se encontra expressamente provada a sua existência, como o mesmo cumpre todos os requisitos que a lei exige: demonstra a viabilidade e sustentabilidade económica e financeira da empresa a constituir, através da identificação de ganhos de qualidade e evidencia a racionalidade acrescentada decorrente do desenvolvimento da actividade”.
Sustentabilidade ”garantida”
Tendo em conta o objecto da empresa a constituir, “são esses os critérios a ter em conta para aferir da viabilidade e da sustentabilidade económica e financeira da empresa (...) dado que só haverá lugar à dissolução automática da empresa da sociedade quando não se encontrem preenchidos esses critérios”. O recurso afasta outras interpretações daquelas normas e argumenta ainda que em relação a esta questão o “estudo evidencia que a solução da empresarialização da actividade e a constituição de uma nova empresa municipal com esse objecto social é inequivocamente melhor que a solução actual, pois proporciona soluções que actualmente não se encontram ao alcance do município”.
A câmara insurge-se contra a concepção subjacente ao acórdão do Tribunal de Contas, segundo a qual o “estudo técnico só se poderia considerar ‘existente’ caso tivesse ainda equacionado outras possíveis soluções” e considera-a “insustentável”, afirmando que “assenta num entendimento das competências do Tribunal que é manifestamente inconstitucional, por força da violação do princípio da separação e interdependência de poderes”.
“Apenas existirá nulidade — único caso que poderá justificar a recusa do visto pelo Tribunal de Contas —, quando não exista o referido estudo, ou quando o mesmo seja tão mau que se deva considerar que o mesmo é inexistente”, lê-se no recurso a que o PÚBLICO teve acesso. “Nunca se poderá considerar que a deliberação de criação da Empresa Municipal de Cultura do Porto é nula por não ter sido precedida de estudos técnicos exigidos por lei”, diz o recurso, frisando que “o estudo técnico que precedeu a deliberação da criação da empresa municipal cumpre escrupulosamente todas as exigências legais”.
Quanto à alegada insustentabilidade financeira da empresa, a câmara refuta-a e diz taxativamente que sustentabilidade da EMCP “estará garantida”. “Ora, sendo a empresa a criar uma empresa cujo objecto social consistirá no exercício, a título principal, de actividades de gestão de equipamentos e prestação de serviços na área da cultura, da educação e da acção social, a tendencial auto-sustentabilidade estará garantida”, assegura a autarquia no recurso, que está já a ser analisado pelo Tribunal de Contas.