Bloco e PCP recusam comparações com geringonça portuguesa
Partidos de esquerda defendem que a queda de Rajoy se deve a motivos muito diferentes dos que levaram à saída de Passos e sua substituição por Costa, apoiado por BE e PCP. Diplomaticamente, Costa e Marcelo reafirmam proximidade e relações bilaterais.
Em Portugal, António Costa entendeu-se há dois anos e meio com Bloco, PCP e PEV e agora está dependente deles no Parlamento para matérias de esquerda; em Espanha, o seu quase homólogo Pedro Sánchez tem a partir de agora mais partidos com que precisa de gerir interesses (sete, no total, mas pode prescindir dos dois mais pequenos). A essência do problema é a mesma – são governos dependentes de outrém – mas bloquistas e comunistas não querem estabelecer ligações entre as realidades dos dois lados da fronteira. E se os primeiros preferem vincar a ideia de que Mariano Rajoy caiu “por causa da corrupção e da Catalunha”, os segundos dizem que foi por causa da sua “política de ataque aos direitos laborais e outros direitos sociais”.
Ao PÚBLICO, a eurodeputada Marisa Matias admite que a queda do Governo do PP espanhol “não é assim tão inesperada”: o “acumular de casos de corrupção que lhes estavam associados e a crise política na Catalunha criaram condições para que uma maioria o deitasse abaixo”.
A eurodeputada do Bloco diz não conseguir avaliar como vão ser negociadas as condições para a governabilidade com o PSOE para poder estabelecer comparações com Portugal, mas admite que a “complexidade” que Pedro Sánchez enfrenta é maior que a de António Costa em 2015. Em Espanha, “a diversidade ideológica que ajudou a derrubar Mariano Rajoy é maior, há mais partidos (e por isso mais interesses para conjugar), e é um Estado plurinacional com muito peso”. Por exemplo, o voto dos independentistas bascos e catalães foi determinante para o desfecho. O PSOE tem apenas 84 dos 350 deputados do Parlamento espanhol mas conseguiu reunir o apoio de 180 para fazer passar a sua moção de censura.
Ainda assim, e apesar de haver áreas mais difíceis de gerir, “há caminhos de abertura em que era impossível até agora, qualquer diálogo, como é o caso da Catalunha, que Rajoy levou ao extremo”. O PSOE, apesar de ter apoiado Rajoy na decisão sobre o artigo 155º, ainda manteve alguma representatividade na Catalunha, enquanto o PP foi cilindrado. “Terá que fazer os acordos necessários para se manter na Catalunha e manter o seu apoio”, vinca a eurodeputada.
No Twitter, a coordenadora do Bloco, Catarina Martins vincou a mesma ideia da corrupção. “Cabe agora à democracia encontrar soluções para substituir não só o governo da direita mas também as suas políticas”.
No PCP foge-se também a comparações. Questionado directamente sobre isso, Jerónimo de Sousa vincou que “são realidades muito distintas” e escusou-se a outras avaliações. “É um problema que cabe aos espanhóis resolver, não nos cabe a nós dar conselhos.” Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete de imprensa do PCP disse que “a situação em Espanha nada tem a ver com a situação em Portugal, visto cada uma delas ter por base realidades muito distintas e processos muito diferenciados.”
O partido considera que a censura a Rajoy foi “uma expressão da crescente rejeição de uma política de ataque aos direitos laborais e outros direitos sociais, de uma política autoritária e repressiva, de profundo desrespeito por liberdades e direitos democráticos, que levou ao crescente isolamento do PP” e lembra que tanto este como o PSOE foram penalizados nas eleições de 2016. Contornando uma pergunta sobre a solução para o independentismo catalão, o PCP vinca que serão “os trabalhadores e povos de Espanha” a conseguir a resposta “aos seus problemas, interesses e legítimas aspirações a uma vida melhor, incluindo para a questão nacional em Espanha, designadamente na Catalunha”.
A diplomacia do primeiro-ministro e do Presidente
No Algarve, questionado pelos jornalistas, António Costa agradeceu a Rajoy a relação que este manteve com este lado da fronteira: “Ao longo destes dois anos e meio foi um parceiro muito importante, e queria agradecer a grande amizade que sempre revelou para Portugal e o gosto que foi trabalhar com ele.”
Ao novo chefe do Governo, Pedro Sánchez - com quem se encontrou várias vezes desde que é primeiro-ministro e de quem ouviu elogios sobre a solução política portuguesa - fez votos para que as relações entre os dois países “continuem a melhorar”, em especial com “projectos tão importantes que estão em curso”, a nível bilateral e no contexto europeu. Sánchez cancelou a participação no congresso do PS do fim-de-semana passado por causa da preparação da moção de censura.
E Francisco André, secretário nacional para as Relações Internacionais do PS, disse que "a presidência socialista do governo de Espanha consolidará as boas relações entre os dois países, a cooperação nos projectos comuns e a defesa dos nossos interesses no seio da União Europeia."
"Com a liderança do governo espanhol pelo PSOE, a família socialista europeia reforça a luta por uma sociedade mais justa e mais orientada para os cidadãos em defesa dos princípios da solidariedade e da justiça social", acrescentou.
"Não vou comentar o governo espanhol, aquilo que desejamos sempre em relação aos países amigos é que sejam países com sucesso", disse, por seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa, à margem de uma visita no Porto. "Estamos muito ligados. Tudo que corra bem para Espanha corre bem para Portugal", afirmou, citado pela Lusa. O Presidente da República realçou as ligações estreitas entre os dois países, não só por razões geográficas mas também de política estratégica – na UE, na NATO, na Organização Ibero-Americana. Com Idálio Revez