Rui Patrício temeu pela vida e conta como foi a crise no Sporting. Leia a carta de rescisão na íntegra
O PÚBLICO teve acesso à carta de rescisão em que o guarda-redes da selecção apresenta os motivos para a rescisão por justa causa com o Sporting e revela várias detalhes das semanas agitadas no clube de Alvalade.
"Fui alvo de violência psicológica e violência física. Isto não pode deixar de constituir justa causa para que eu, preservando a minha dignidade pessoal e profissional, me liberte do contrato que me liga ao Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD". Esta é uma frases que Rui Patrício usa para justificar o pedido de rescisão de contrato com o Sporting.
Na carta de 34 páginas, a que o PÚBLICO teve acesso, o guarda-redes da selecção assume que temeu pela vida e que não tem "as condições mínimas" para continuar no Sporting.
Rui Patrício alega que são “imputáveis” ao Sporting factos que o “fizeram temer pela vida”, inviabilizando “condições mínimas para exercer” a actividade de jogador profissional. Para além do “assédio” e da falta de “boas condições de trabalho” e “respeito”, Rui Patrício alega ainda que se verificaram situações de “aplicação de sanção abusiva” e “ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei”.
Para corroborar as suas alegações, o jogador incluiu capturas de ecrã de conversas de Whatsapp com Bruno de Carvalho, em que os jogadores são apodados de “convencidos que não respeitam nada nem ninguém” e “amuados”.
“No final da época vou-me embora, vou para junto da minha família, nada mais importa, está aqui o REI [referindo-se a Jorge Jesus] e eu vou-me embora para junto da minha família que é o mais importante, que gosta de mim”, lê-se na carta de rescisão, num momento em que Rui Patrício cita Bruno de Carvalho. A conversa remonta a 7 de Abril, no rescaldo dos processos disciplinares e suspensões aplicadas ao plantel. “Vou tirar a suspensão, o mister pode convocar quem quiser, é o Rei do Clube, mas os processos vão continuar!”, ameaçou o presidente do clube. E cumpriu: tal como confirma Rui Patrício na carta, os procedimentos disciplinares nunca foram encerrados.
Rui Patrício escreve ainda que “na terça-feira, 15 de Maio”, um dia depois da reunião entre direcção, equipa técnica e plantel, “Jorge Jesus informou alguns jogadores que tinha sido suspenso na reunião do dia anterior e que ia dizer isso a todos os jogadores no treino, mas como não havia nota de culpa, manter-se-ia no exercício das suas funções”.
O jogador descreve ainda, ao pormenor, as agressões que aconteceram na Academia do Sporting, no passado dia 15 de Maio. Começando pela ausência do team manager, André Geraldes, que costumava assistir a todos os treinos, até ao momento em que os adeptos chegaram: “Entraram a perguntar por determinados jogadores em concreto: Acuña, Battaglia, William, por mim…” “Ainda hoje, acordo de noite, em sobressalto, com as imagens de horror que retive e que vejo e não consigo pensar em voltar àquele local”, escreveu o guarda-redes. Rui Patrício referiu ainda que, ao contrário do que costumava acontecer, os portões não estavam encerrados. E que apesar de haver câmaras de segurança no recinto, nada foi feito para garantir a segurança do plantel.
“A verdade é que tememos todos pela nossa vida. A partir de determinada altura, o descontrolo era tal que senti que podia não sair dali com vida.” Rui Patrício termina a carta dizendo-se “consciente dos seus deveres” mas também “dos seus direitos” e que “procura preservar a sua honra e a sua dignidade, além da sua integridade física e da sua vida”.
Rui Patrício, 30 anos, rescindiu unilateralmente contrato com o Sporting, depois de 18 a jogar pelos “leões”. A notícia já confirmada pelo Sporting num comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e pelo presidente do clube, Bruno de Carvalho. Numa conferência de imprensa, o presidente do Sporting disse que o jogador está a ser “manipulado” e que espera que reflicta e volte atrás na decisão.
A possibilidade de rescisões no plantel do Sporting tem sido repetidamente referida pela comunicação social desde que se registaram os episódios de violência na Academia de Alcochete. A rescisão de Rui Patrício é primeira. Falta saber se outras se seguirão.