A música também tem fins terapêuticos
Usar instrumentos musicais e sons para desenvolver competências neuropsicológicas é uma das práticas da musicoterapia. Nos cuidados paliativos, promove o relaxamento e diminui a sensação de dor. “Música, Saúde e Bem-Estar” é o título do simpósio internacional que Setúbal acolhe nesta segunda-feira.
Ter a música presente do princípio ao fim da vida só pode fazer bem. Se houver necessidades especiais, mais ainda. E não se está a falar em criar músicos virtuosos, como explica a musicoterapeuta Marisa Raposo: “Não há objectivos de aprendizagem musical nem de performance musical para um ouvinte, mas sim terapêuticos.” E descreve: “Nas sessões de musicoterapia, o utente participa activamente com os instrumentos musicais para desenvolver diversas competências neuropsicológicas.”
Convidada pelo Festival de Música de Setúbal, que organiza o encontro no Instituto Politécnico da cidade, a especialista açoriana esteve no domingo, na Casa da Avenida, na companhia do musicoterapeuta britânico Simon Procter, a dar conta do que será discutido nesta segunda-feira por académicos britânicos e portugueses. “O simpósio ‘Música, Saúde e Bem-Estar’ reúne profissionais de três áreas que utilizam a música para fins diferentes, mas que se aproximam (educadores musicais que fazem ensino adaptado para pessoas com necessidades especiais, músicos que fazem performances em contextos de saúde para promoção de bem-estar, e musicoterapeutas, que utilizam a música como mediação terapêutica).”
Em Portugal, há cerca de 80 musicoterapeutas a exercer a profissão, que tem de ser reconhecida pela Confederação Europeia de Musicoterapia. E já é, nomeadamente o mestrado na Universidade Lusíada, como nos conta Marisa Raposo: “É a confederação que nos incentiva a continuar na luta; o reconhecimento que não é feito é pelas entidades competentes em Portugal (para termos um código profissional na Classificação Portuguesa das Profissões) e podermos ter empregos com contratações, inclusive públicas, tal como acontece noutros países.”
Para ser considerada uma terapia a partir da utilização da música, “o musicoterapeuta terá de ter no mínimo dois anos de um grau universitário específico em Musicoterapia aprovado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (licenciatura em Musicoterapia ou mestrado em Musicoterapia com uma licenciatura prévia numa área afim)”, esclarece por email a musicoterapeuta no Hospital do Divino Espírito Santo, Casa de Saúde Nossa Sra. da Conceição, Centro de Terapias Astutos e Centro de Desenvolvimento e Reabilitação do CFC e Associação de Paralisia Cerebral de São Miguel.
O que faz um musicoterapeuta?
Quisemos saber, na prática, o que faz um musicoterapeuta. Resposta: “No contexto da saúde, o musicoterapeuta é o profissional que utiliza a música como veículo para ajudar o utente a manter, melhorar e/ou restabelecer funções cognitivas, comunicativas, emocionais e sociais, utilizando as experiências musicais como uma forma de mediação e não como a finalidade da intervenção.”
Não há um momento certo e único para se iniciar uma terapia desta natureza, já que “a musicoterapia é uma terapia complementar que integra o ser humano na sua amplitude, ou seja, nas dimensões bio-psico-social”. Assim sendo, “pode intervir em todo o ciclo de vida”. A doutoranda em Ciências da Cognição e da Linguagem pela Universidade Católica Portuguesa dá alguns exemplos relevantes e comprovados por estudos científicos já desenvolvidos.
Poderá haver um processo musicoterapêutico logo na maternidade, “ao favorecer a vinculação mãe/bebé”; na neonatologia, “para reduzir a ansiedade dos bebés prematuros e estabilizar padrões fisiológicos como o ritmo cardíaco e respiratório, sincronizando-os com a música adaptada pelo musicoterapeuta”; no acompanhamento de crianças com perturbações do neurodesenvolvimento, “para integração sensorial, melhorias no processamento auditivo, treino de memória com a utilização de canções e de competências não-verbais que antecedem o desenvolvimento da linguagem”; na pedopsiquiatria e psiquiatria, “com a expressão emocional através da música, que poderá ser um grande auxílio para pessoas com dificuldades em comunicar na forma verbal e poderão utilizar com sucesso a música como veículo de expressão emocional não-verbal”; em psicogeriatria, “pois as pessoas com demência poderão promover competências de interacção social e despertar memórias afectivas associadas a repertório musical significativo para si” e, finalmente, em oncologia e cuidados paliativos, “para promover relaxamento, diminuir a sensação de dor, proporcionar uma revisão da história através da música e, em qualquer contexto de saúde, melhorar a qualidade de vida do utente”.
Criar um centro de música, saúde e bem-estar
Um dos propósitos do simpósio, com início marcado para as 9h, com a presença do director artístico do festival de música, Ian Ritchie, é o de reflectir sobre a possibilidade de criar um centro de música, saúde e bem-estar em Setúbal.
“Os académicos ingleses e portugueses que se vão juntar durante o dia todo no Instituto Politécnico vão criar um caderno de intenções e objectivos que possam servir de base e de valores para que possamos perceber o que é preciso fazer e o que é que queremos criar”, explica ao PÚBLICO António Laertes, músico e responsável pela A7M, que organiza o simpósio. E prossegue dando conta do passo seguinte: “Arranjar parceiros, sponsors e instituições que se queiram juntar a nós para criarmos na nossa cidade este centro de música, saúde e bem-estar.”
Vão estar presentes no congresso especialistas como Paulo Lameiro, Teresa Leite, Nigel Osborne ou Simon Procter, em representação das principais instituições de Portugal e do Reino Unido, incluindo Casa da Música (Porto), Universidade Lusíada (Lisboa), Goldsmiths University, Guildhall School of Music & Drama e Nordoff Robbins Music Therapy (Londres).
A entrada é gratuita para músicos, profissionais da área da saúde e educação (mediante reserva) e custa 20 euros para o público em geral.