Quem mata o voto útil pode ressuscitá-lo?

No que depender do líder do PS, não espere uma clarificação antes das legislativas. A ideia de António Costa é mesmo que vote às escuras.

É já de La Palice: António Costa inaugurou em 2015 uma nova era na política portuguesa. Pode tê-lo feito com convicção, mas é certo que o fez com interesse: depois de ter eleito menos deputados do que o PSD, não havia forma de chegar a São Bento sem o apoio do PCP e Bloco. No curto prazo, foi uma solução vencedora (e o congresso socialista do fim-de-semana vai tratar de o emoldurar). No médio prazo criou um problema.

Esse problema é simples de explicar: se antes era primeiro-ministro quem vencia as eleições, agora será primeiro-ministro quem liderar um bloco de 116 deputados. Na prática, instituiu-se que não é na noite eleitoral que sabemos quem vai governar. E instituiu-se também que, para isso, conta pouco se o nosso voto vai para o PS, BE ou PCP (se quisermos a esquerda no poder), ou no PSD e CDS (se preferirmos a direita). Eis-nos, portanto, perante o dilema de Costa neste congresso do PS: tendo ele liquidado o voto útil, como pode agora ressuscitá-lo?

Foi por isso que, a um ano da campanha das legislativas, o líder socialista teve de criar um innuendo. É por isso que não há uma palavra na sua moção de estratégia sobre a continuidade da aliança de esquerda; foi por isso que abriu um debate no partido com duas alas, uma pedindo o aprofundamento do projecto, outra defendendo que ele só pode continuar se BE e PCP se mantiverem amordaçados (já sem o mote de afastar Passos, de repor políticas da troika ou de devolver rendimentos perdidos).

António Costa partiu para o congresso com um grande objectivo: deixar tudo em aberto no que respeita às alianças pós-2019, que é a única forma que o PS tem de recuperar a utilidade do voto útil. No congresso isso é fácil de gerir. Desde logo na equipa, na qual, piscando o olho à esquerda, Costa colocou Pedro Nuno Santos de novo na direcção; e piscando o olho ao centro deixou João Galamba sair do cargo de porta-voz. Mas também na estratégia, em que nada do que se vai discutir se votará (apenas a sua moção, que aqui está em branco).

O dilema será mais difícil de gerir depois. Porque Costa terá de dizer se quer manter Francisco Assis nas eleições europeias, como terá de dizer se mantém Centeno na sua equipa — e nenhuma das opções é neutra como a sua moção. Mais difícil também, porque Costa terá de apresentar um programa com medidas e será difícil que elas sejam negociáveis tanto para Catarina, como para Rio. 

Não espere, assim, uma resposta este fim-de-semana. No que depender do líder do PS, nem espere uma clarificação antes das legislativas. A ideia de António Costa é mesmo que vote às escuras.

 

david.dinis@publico.pt

 

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