A “onda democrata” não vai triunfar sem a ala Bernie Sanders

Os potenciais candidatos à nomeação para as presidenciais de 2020 estão a assimilar muitas das propostas mais emblemáticas que o senador Bernie Sanders lançou para o debate público.

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Bernie Sanders Rick Wilking/Reuters

Os candidatos populistas e progressistas estão a multiplicar--se nas eleições primárias do Partido Democrata um pouco por todos os Estados Unidos da América. Os potenciais candidatos à nomeação para as presidenciais de 2020 estão a assimilar muitas das propostas mais emblemáticas que o senador Bernie Sanders lançou para o debate público — Medicare para todos, ensino universitário sem propinas e um salário mínimo de 15 dólares, entre outras propostas. Há um número recorde de candidatas mulheres, muitas delas a fazerem a sua estreia na política — um aumento estimulado pelas reacções à vitória de Donald Trump e pelo movimento #MeToo.

Os candidatos insurgentes tiveram sucesso na maioria das eleições primárias mais recentes — na Pensilvânia, no Nebraska e no Idaho. O grupo de congressistas da Pensilvânia é actualmente composto apenas por homens. Mas agora, entre três e seis mulheres do Partido Democrata podem conquistar lugares na Câmara dos Representantes em Novembro. Os activistas do Partido Democrata celebraram as surpreendentes vitórias de três mulheres sobre as poderosas máquinas dos representantes em exercício em corridas para o Congresso da Pensilvânia. Essas três mulheres foram empurradas para o sucesso com o apoio de organizações progressistas como a Democrats for a Socialist America, a Our Revolution, a People’s Action e a Keystone Progress.

Estas são apenas algumas das organizações que estão a alimentar a “Primavera democrata”. Novas organizações, muitas delas criadas em 2016, e outros grupos revitalizados, estão a recrutar e a apoiar insurgentes em todas as posições nos boletins eleitorais.

O músculo independente começou a ser criado há muito pouco tempo, mas já obteve um sucesso considerável no actual clima. No Washington Post, David Weigel e Michael Scherer sugeriram que Sanders “está a ter dificuldades para se apresentar como um influenciador político”, notando que apenas dez de 21 candidatos que ele apoiou saíram vencedores, e que apenas 46 de 111 venceram com o apoio do seu principal grupo, o Our Revolution. Mas o rasto de vitórias deste movimento insurgente é muito forte, numa altura em que está a enfrentar batalhas internas.

Atente-se ao que está a acontecer em eleições locais. Na Pensilvânia, cerca de 200 progressistas foram eleitos para cargos do Partido Democrata com o apoio de grupos como o Reclaim Philadelphia, Neighborhood Networks, Lancaster County Rising e outras sucursais do grupo People’s Action. Em vez de se afastarem do moribundo Partido Democrata, os progressistas estão a ensaiar uma tomada de poder.

Dinheiro vs inclusão

Esta insurgência deixa o establishment do Partido Democrata nervoso e receoso de que o movimento afaste candidatos mais convencionais, que poderão ter mais hipóteses de vencer duelos com os candidatos do Partido Republicano. Motivada por esses medos, a comissão do Partido Democrata responsável pela gestão das campanhas interveio de uma forma desajeitada numa mão-cheia de eleições primárias, ora limitando o número de candidatos, ora revelando favoritismos.

A vitória surpreendente de Kara Eastman na 2.ª Circunscrição do Nebraska, perto de Omaha, é uma evidência dessa intervenção desajeitada do partido. Trump ganhou naquela circunscrição por apenas dois pontos percentuais em 2016. O Partido Democrata atirou o seu apoio institucional para cima de Brad Ashford, um antigo congressista centrista que já tinha sido eleito pela mesma circunscrição. Eastman, uma assistente social responsável por uma organização não governamental, decidiu enfrentar Ashford, em representação de uma agenda populista — Medicare para todos, aumento do salário mínimo, ensino universitário sem propinas para famílias com salários anuais inferiores a 125 mil dólares.

Ashford tinha mais dinheiro e mais reconhecimento público. Eastman tinha mais voluntários. A sua equipa bateu a 60 mil portas ao longo de um ano. Jane Kleeb, directora do Partido Democrata do Nebraska, resumiu a corrida numa resposta por email: “A Kara trabalhou muito e acreditou num modelo assente nas comunidades negras e latinas que nunca tinham sido incluídas de forma significativa.”

Apesar de a delegação do partido no estado se ter mantido neutral, trabalhou muito para incentivar as pessoas a votarem. “Quando temos candidatos fragmentados e um partido fragmentado no estado, focamo-nos no que temos e apostamos em melhorar o que temos.” O que está em causa não é a transferência para o estado da luta nacional entre o establishment e os progressistas, adiantou Kleeb. “O que eu vejo no terreno é um grupo de pessoas que quer ter voz e que quer trazer as suas próprias cadeiras para os espaços de discussão”, disse.

Os republicanos comemoraram a vitória de Eastman com o argumento de que ela é demasiadamente liberal para a circunscrição. Na sua Bola de Cristal, o professor da Universidade da Virginia Larry Sabato passou a circunscrição de “incerta” para “inclinada para o Partido Republicano”. Os responsáveis do Partido Democrata deram os parabéns a Eastman, mas poucos ficarão surpreendidos se tirarem a 2.ª Circunscrição do Nebraska da sua lista de prioridades. As apostas estão contra ela, incluindo entre os grupos de apoio ao Partido Republicano, preparados para financiarem uma guerra de anúncios na televisão.

Mas, se houver mesmo uma “onda democrata”, ela será provocada por insurgentes como Eastman. “Continuamos a concorrer com democratas conservadores e perdemos. Um dos problemas na circunscrição é a participação eleitoral, e para isso contribuiu o facto de não termos concorrido com um verdadeiro progressista. Acho que esta mensagem é forte e assim vai continuar durante a campanha”, disse Eastman.

Os representantes em exercício vencem mais de 90% das vezes em eleições para a Câmara dos Representantes. No entanto, a paixão e o entusiasmo contam quando essas eleições não coincidem com as presidenciais, uma altura em que a afluência às urnas é muito menor, particularmente entre os eleitores jovens, não brancos e mulheres solteiras. Este ano, o desejo de expulsar os representantes em exercício é maior do que nunca, e candidatos como Eastman têm muito mais credibilidade do que em eleições mais tradicionais.

Uma das principais preocupações é se os activistas do Partido Democrata acabam por apoiar os candidatos mais tradicionais que vençam umas eleições primárias muito combativas. Claramente, Trump e um Congresso republicano reaccionário vão ajudar a unir e a mobilizar os democratas. Kleeb alerta que os progressistas vitoriosos têm de se dirigir aos democratas mais tradicionais e aos independentes. “Quando temos candidatos mais progressistas, não podemos cometer o erro de criar uma espécie de clube em que é preciso cumprir algumas regras para se poder entrar.”

Ironicamente, por causa da ameaça da direita, os progressistas poderão ser mais sensíveis quanto a apoiarem um candidato centrista vitorioso — tal como fez na Virginia Tom Perriello, apoiado por Sanders, depois de ter perdido nas primárias contra Ralph Northam — do que os mais estabelecidos em relação aos insurgentes. Nesta altura, vários analistas sugerem que são os progressistas que têm de mostrar o que valem nas eleições de Novembro. “Se quiserem provar que os democratas podem e devem ter uma agenda mais progressista, então têm de garantir uma vitória em Novembro para os candidatos mais progressistas, ou então terão confirmado os piores receios de quase toda a gente”, disse ao The Hill um estratego do Partido Democrata sob anonimato.

A energia impulsiona a política. A energia no Partido Democrata está na esquerda, com uma base progressista que se revolta contra a política do centro que provou ser ruinosa. O establishment democrata pode não gostar, mas, se houver uma onda azul, será formada com o entusiasmo da base que exige uma mudança. O verdadeiro teste poderá ser este: se as instituições do establishment do partido e o dinheiro por trás delas estão preparadas para apoiarem os candidatos insurgentes que os seus eleitores escolherem.
Editora da revista Nation

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

 

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