“Com o streaming, uma série pode ter mais popularidade porque tem um actor português”
A explosão de séries e canais aumenta a procura de novos actores fora do circuito americano, diz ao PÚBLICO Sharon Bialy, directora de casting de Breaking Bad e Drugstore Cowboy. Uma conversa sobre Walter White e sobre encontrar a diversidade num guião que não a tem.
A 3.ª edição do Programa Passaporte, uma iniciativa da Academia Portuguesa de Cinema que reúne directores de casting de todo o mundo com actores portugueses, começou quarta-feira e uma das suas convidadas é a norte-americana Sharon Bialy, que de Drugstore Cowboy a Breaking Bad ajudou a dar rosto ao cinema de Gus van Sant ou à melhor televisão dos últimos anos. O programa já pôs Albano Jerónimo em Vikings, por exemplo, e se Sharon Bialy já conhece alguns actores portugueses,“o Passaporte é o passo seguinte” para os ter no seu catálogo mental de caras e talentos, diz ao PÚBLICO.
“A natureza do trabalho de um director de casting é estar sempre à procura e é também ter uma boa memória — o actor pode não ser o certo para aquele papel, mas dois anos depois podemos encontrar trabalho para ele.” Sharon Bialy tem um currículo recente recheado de televisão de autor com The Handmaid’s Tale (Nos Play) e Breaking Bad, que lhe deram nomeações para os Emmys, Better Call Saul (Netflix) e The Walking Dead (Fox), e um início no cinema de Drugstore Cowboy (1989) e Ruptura Explosiva (1991). Falou ao PÚBLICO sobre a sua carreira e sobre como pode ajudar a encontrar a diversidade num guião que não a tinha, mas sobretudo de Breaking Bad e de como tantas séries hoje pedem novos actores fora do circuito americano.
É uma de mais de uma dezena de importantes agentes e directores de casting vindos de vários países e que até dia 27 dão palestras, workshops e conselhos aos actores inscritos e ao público entre o Teatro da Trindade e o Museu Arpad Szénes-Vieira da Silva. O projecto é da directora de casting Patrícia Vasconcelos e entre os convidados deste ano estão os repetentes Frank Moiselle (Vikings) e Debbie McWilliams (James Bond), a espanhola Camilla Valentine Isola (O Amor Acontece, O Homem Que Matou Dom Quixote), a dinamarquesa Anja Philip (Borgen, The Shooter), Lucinda Syson (Mulher-Maravilha, Blade Runner 2049) ou Victoria Thomas (Vedações, Os Oito Odiados, Django Libertado, Alta Fidelidade).
Vem ao Passaporte conhecer actores portugueses, mas também falar sobre como a TV por subscrição está a mudar de rosto – que mudanças são mais visíveis na óptica do casting?
Na última década, nos últimos cinco anos, nos últimos dois anos, tudo mudou. Há mais de 400 séries no ar nos EUA e muitas estão no cabo ou no streaming, o que alargou as oportunidades. Especialmente para os actores, porque há muito mais conteúdos e lugares disponíveis para se contar histórias — e de uma maneira muito diferente do que nos filmes, com mais tempo para o desenrolar de uma história. É por isso que, pela primeira vez, vemos alguns dos melhores actores, realizadores e argumentistas a gravitar em torno da televisão por subscrição.
Nesta explosão de possibilidades, o que vai transmitir aos actores portugueses?
Quero que os actores portugueses tenham as mesmas oportunidades que os actores australianos, britânicos, alemães, espanhóis ou sul-americanos tiveram. Hoje é possível fazer audições a partir da nossa sala, sem ter de viajar. Conseguimos contratar actores a partir das suas self-tapes, de gravações feitas nas suas salas. É uma oportunidade extraordinária para os actores em Portugal. Trabalho na série The Son (AMC), com Pierce Brosnan, e na primeira temporada o Carlos Bardem, um actor muito conhecido em Espanha, gravou a sua cassete na sua sala e conseguiu o papel.
Outra vantagem do contexto pode ser o aumento da procura de actores, e em particular de novos rostos que não sejam anglo-saxónicos?
É isso mesmo. Hoje há tantas oportunidades para os actores internacionais por causa do cabo e do streaming, que têm um público internacional e comprarão ou criarão uma série que sabem que vai passar em Portugal, em Espanha, na Europa, e querem povoar a paisagem com caras de todo o mundo. E com um elenco mais diversificado, muitas vezes tem-se um público mais diversificado, isso está comprovado. Aqui nos EUA finalmente estão a fazer-se coisas com elencos em que não são todos brancos, o que traz novos públicos. O mais entusiasmante do streaming é que uma série pode ter mais popularidade, porque há um actor português.
Diz que nos seus castings não vê cores. Que obstáculos é que ainda encontra na indústria?
Comecei no teatro e aprendi lá, com os grandes directores, a garantir que o mundo no palco reflicta o mundo em que vivemos. Muitas vezes o desafio é que as pessoas que escrevem ou produzem não pensam assim. O meu trabalho é pegar num papel e apresentar alguém de Portugal, por exemplo, que tem um sotaque… mas o que é que isso importa? Vou ao hospital ou à universidade e os médicos ou os professores têm sotaque – por que é que não hão-de ser de outro país? Muitas vezes [a diversidade] não está na página [do argumento], a nossa função é pugnar por isso e despertar os produtores e os realizadores para outras possibilidades. Por vezes, isso até dá valor acrescentado ao papel.
Trazer mais-valias é central no papel de um director de casting? Os melhores trabalhos são os mais colaborativos?
Um director de casting tenta dar vida a um guião e trazer o actor certo ao lugar e ao momento certos, mas também educar as pessoas com quem trabalha. Ao construir o elenco de The Handmaid’s Tale, não havia qualquer menção à diversidade no romance [de 1985] e ao actualizar a história achámos que isso era importante. [A autora do romance] Margaret Atwood apoiou-o. Não estipulámos que papel seria de que cor. Quando Samira Wiley chegou para ler o papel de Moira, ela era a melhor pessoa. Não procurámos um marido negro para [a personagem da protagonista] Elisabeth Moss, isso simplesmente aconteceu, porque nos abrimos a todas as possibilidades.
Podemos ser um director de casting que participa, desafia e inspira o realizador, ou podemos ser uma empregada de mesa que serve diferentes actores. Já tive ambas as experiências… e quando se é empregado de mesa o melhor é garantir que os aperitivos e a comida são de grande qualidade.
Começou por trabalhar muito no cinema, e com realizadores como Gus van Sant ou Kathryn Bigelow, mas gradualmente mudou-se para a televisão. Porquê?
Comecei a minha carreira no teatro e no cinema e mudei-me para a televisão não conscientemente, mas porque depois de Drugstore Cowboy as pessoas da televisão começaram a chamar-me. E desde Breaking Bad, porque a televisão proliferou tanto, estava mais interessada criativamente no que lá se passava do que nos estúdios. Há muitos filmes da Marvel, do Exterminador Implacável, a acção… do ponto de vista das personagens não é muito interessante. Na televisão podemos descobrir actores, e a televisão ainda faz carreiras. Ninguém sabia quem era o Aaron Paul, nem que Bryan Cranston era um grande actor dramático antes de Breaking Bad.
O que tornou Breaking Bad tão especial para uma directora de casting?
Breaking Bad foi especial, porque mantivemos o seu mundo muito realista. Quando começámos, Mad Men ainda não tinha ido para o ar no AMC, ninguém queria trabalhar no cabo e ninguém tinha ouvido falar do AMC. Quase foi cancelada nas primeiras duas temporadas. Mas havia uma autenticidade no mundo na qual [o seu criador] Vince Gilligan insistia e que nos inspirava. E quando a série se tornou popular e os actores famosos fariam tudo para entrar em Breaking Bad, nós recusávamos esses rostos reconhecíveis — o que é que eles estariam a fazer em Albuquerque [a cidadezinha no deserto onde a série decorre]? Pegámos em actores que a América não conhecia e eles tornaram-se as personagens.
Muitas das histórias conhecidas sobre castings são sobre como dado actor poderia afinal ter sido uma personagem já emblemática noutro rosto. Que papéis foram mais difíceis de atribuir e que histórias guardam os castings de The Handmaid’s Tale ou Breaking Bad?
Elisabeth Moss já vinha com a série, o papel foi-lhe oferecido. Anne Dowd como Aunt Lydia foi perfeita, foi o primeiro papel que atribuímos — estávamos obcecados com ela e dada a natureza competitiva da televisão não queriamos perdê-la. O mais difícil foi assegurar-nos que toda a gente estava àquele nível, mas o papel mais difícil de atribuir foi o de Serena Joy, porque é tão fácil torná-la numa simples vilã – mas Yvonne Strahovski é espantosa e lutou pelo papel.
No caso de Breaking Bad, toda a gente prestou provas menos Bryan Cranston, não o conseguíamos tirar da cabeça e falámos dele a Vince Gilligan, que também o tinha em mente, porque escreveu um episódio de Ficheiros Secretos em que achou que ele era um talento por descobrir. Bryan veio a uma reunião e introduziu nela falas do guião — foi tão inteligente. Anna Gunn estava doente e não compareceu às primeiras duas audições e eu insisti com ela. Dean Norris, o polícia e cunhado de Walter White, é um bom exemplo de um actor que toda a gente acha que conhecia, que faz muitos papéis de actor convidado, mas este era o papel que ele nasceu para interpretar.
Qual é o segredo de escolher o actor certo para o papel certo?
Já devia ter a resposta pronta de tanto que me perguntam isso. Muitas vezes é instintivo, e ouço-o tanto quanto o vejo – ouço a voz tal como a imagino a sair da página [do guião]. Queremos que o público mergulhe numa viagem com a personagem e esqueça que é Bryan Cranston ou Elisabeth Moss, e, quando o casting é perfeito, por 45 minutos o actor leva o público para outro mundo.