Personagens em Hollywood: negros dizem mais palavrões, latinos falam mais de sexo e mulheres de família

Elas são cinco anos mais novas do que eles, os idosos são "sábios" e eles falam sobre cumprimento de objectivos. Estudo analisa linguagem de mais de mil guiões e mostra reforço de estereótipos.

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Moonligh DR

Um novo estudo analisou a linguagem e os temas de cerca de mil guiões da indústria cinematográfica dos EUA e concluiu que as personagens femininas tendem a ser cinco anos mais novas, dispensáveis para a intriga e a falar mais de valores “familiares”. Nestes argumentos de Hollywood, as personagens de homens negros tendem a dizer mais palavrões e as personagens latinas tendem a falar mais de sexualidade, entre vários outros sinais de desigualdade no poderoso sector norte-americano.

Linguistic Analysis of Differences in Portrayal of Movie Characters é o nome do estudo que a Viterbi School of Engineering Signal Analysis and Interpretation Lab fez na Universidade da Califórnia do Sul, seguindo um caminho diferente do dos vários estudos que, anualmente, vão mostrando a (parca) saúde paritária da representação de outros que não os homens caucasianos em Hollywood. Desta feita, foi usado software que revela como os média, e neste caso o cinema, comunicam os temas da raça, do género e até da idade – as personagens idosas tendem a ter um discurso que as aproxima do estereótipo do "sábio", por exemplo.

O estudo tem por base uma ferramenta que inclui dados cognitivos e de desenvolvimento da linguagem para quantificar e avaliar o tom e teor de guiões disponíveis nas bases de dados de argumentos The Daily Script e IMSDb. O estudo será publicado na revista científica Proceedings of the Association for Computational Linguistics mas as suas conclusões foram divulgadas em comunicado pela universidade, que detalha que foram analisadas as falas de sete mil personagens e mais de 53 mil diálogos nesses mil guiões, mas não identifica nem de que argumentos se trata nem em que anos foram escritos, por exemplo.

“A análise computacional de linguagem e as ferramentas de modelos de interacção permitem-nos compreender não só o que alguém diz, mas como e quanto o dizem, com quem falam e em que contexto”, nota Shri Narayanan, o principal responsável do estudo assinado também por outros cientistas, “providenciando assim novas perspectivas sobre o conteúdo nos média e o seu potencial impacto nas pessoas”.

As suas conclusões evocam as estatísticas já conhecidas que evidenciam a desigualdade na indústria cinematográfica norte-americana à frente e atrás das câmaras – os homens brancos heterossexuais dominam, as mulheres, outras etnias, raças sexualidades e portadores de deficiência estão em minoria. Nas falas, isso nota-se na aritmética mais simples, como a que mostra a amostra, 37 mil diálogos pertenciam a homens e apenas 15 mil a personagens femininas, que por seu turno eram pouco mais de duas mil, contra as perto de 4900 personagens masculinas.

Quanto ao teor do que é dito nos filmes por homens, mulheres, latinos, negros, idosos e outros grupos, o estudo conclui: as mulheres tendem a ser mais novas do que os homens, independentemente da sua raça; os diálogos de personagens latinas ou cuja origem inclui diferentes raças tendem a ter mais a ver com a sexualidade e as personagens de negros tendem a usar mais palavrões do que o encontrado nos diálogos de personagens de outras raças.

As personagens masculinas falam mais de feitos e de cumprimento de objectivos, mas também de morte e usam mais palavrões do que as femininas, cujos diálogos incluem estereótipos como o uso significativo de linguagem relacionada com valores familiares.  De acordo com o documento, detalha o Los Angeles Times, os estereótipos e visões padronizadas de género, raça e idade são tanto mais frequentes quando se fala de temas como a excitação amorosa, as emoções, o sexo, a religião, morte, feitos ou palavrões.

O estudo indica também que só há uma excepção, em termos de géneros cinematográficos, ao facto de a tecnologia ter mostrado que a retirada das personagens femininas da equação (do guião, no fundo) quase não alterava a dinâmica e a intriga dos filmes em análise. A excepção são os filmes de terror, em que, como assinala a universidade na sua nota de apresentação do estudo, as mulheres “tendem a ser mais retratadas como vítimas”.

Numa análise mais fina, o estudo vai também aos bastidores e evidencia que há sete vezes mais homens guionistas do que mulheres e o triplo de produtores em relação ao número de produtoras. E replica e corrobora as conclusões de outros estudos sobre o tema que comprovam que quando há mais mulheres na sala dos argumentistas as mulheres são mais representadas nos guiões. As directoras de casting são as únicas a estar em maioria em relação aos homens.

Na análise deste números, o sucesso do blockbuster de super-heróis com a primeira estrela feminina é facilmente evocado – as imagens da Mulher Maravilha estão por aí, tanto quanto o vencedor do Óscar de Melhor Filme, Moonlight, quando são noticiadas as conclusões de outro estudo, desta feita sobre a Inequality in 900 Popular Films: Examining Portrayals of Gender, Race/Ethnicity, LGBT and Disability from 2007-2016. A análise de uma década de filmes de Hollywood pela Annenberg's School for Communication and Journalism, da mesma universidade californiana, mostra então que menos de um terço do total dos papéis com direito a falas em filmes são de mulheres, que dos 45 filmes mais rentáveis de 2016, 72 não tinham qualquer mulher latina com falas no ecrã e que mais de 90 não contavam com personagens LGBTQ. “Uma crise de inclusão”, chamou-lhe segunda-feira Stacy Smith, responsável pelo levantamento, quando dos 900 filmes mais rentáveis da última década só um foi realizado por uma latina, dois por asiáticas e três por negras.

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