A lenda do Lago Ness como "desculpa" para investigar a biodiversidade
À boleia de uma suposta caça ao lendário monstro do lago escocês, cientistas de vários países vão analisar a biodiversidade do maior reservatório de água doce do Reino Unido.
O mistério do monstro do Lago Ness poderá vir a ser, passados vários séculos, desvendado. Ou definitivamente encerrado. Uma investigação científica anunciada nesta segunda-feira vai recorrer a técnicas de amostragem e análise de ADN para averiguar o que, de facto, habita nas profundezas do famoso lago da Escócia. E o que poderá estar na origem de sucessivos relatos de um ser invulgar naquele corpo de água.
Ao longo de duas semanas, em Junho, uma equipa de cientistas de vários pontos do mundo vai recolher 300 amostras de água em diferentes pontos e níveis de profundidade naquele que é o maior reservatório de água doce do Reino Unido. As amostras serão posteriormente enviadas para análise em laboratórios na Austrália, Dinamarca, França e Nova Zelândia.
O material orgânico existente na água será filtrado e o ADN extraído e analisado através da comparação com bases de dados do código genético de várias espécies de que há registo. "Sempre que uma criatura se move através do seu ambiente, ela deixa pequenos fragmentos de ADN [provenientes] da pele, escamas, penas, pêlo, fezes e urina", explicou ao jornal Otago Daily Times Neil Gemmell, professor da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, que vai liderar a investigação. O método baseia-se na tecnologia usada no Projecto do Genoma Humano, sendo que, em Abril de 2018, um consórcio internacional de cientistas tinha já anunciado a intenção de sequenciar o ADN das espécies eucariotas.
O cientista de 51 anos, que não acredita na lenda do monstro "Nessie", crê por outro lado que "ainda existem coisas a serem descobertas". "Eu não acredito na ideia de um monstro. Mas talvez haja uma explicação biológica para algumas das histórias", explicou Gemmell, citado também pelo diário britânico Guardian. Esta é, portanto, mais do que uma caça ao monstro, sendo que a investigação poderá levar à descoberta de novas espécies de organismos, nomeadamente de bactérias.
"Enquanto a perspectiva de procurar provas da existência do monstro de Loch Ness é o ponto de partida para este projecto, há uma quantidade extraordinária de novos conhecimentos que vamos adquirir com este trabalho sobre os organismos que habitam o Lago Ness", explicou o especialista ao Otago Daily Times. Para além disso, a pesquisa servirá para analisar a expansão de várias espécies invasoras (como o salmão rosa do Pacífico, que tem sido avistado no lago) e conhecer melhor as espécies nativas.
Uma lenda com mais de mil anos
Há mais de um milénio que a lenda do monstro do Lago Ness perdura. Desde o primeiro relato, numa obra literária sobre a vida de São Columba, fundador do cristianismo na Escócia, do avistamento de uma "besta aquática" pelo missionário irlandês no século VII, que o interesse popular por esta criatura foi aumentando. Em 1933, o jornal local Inverness Courier publicou a primeira notícia sobre um suposto avistamento, por um casal, do monstro. Em 1934, a famosa fotografia do suposto monstro, tirada pelo cirurgião R.K. Wilson (e conhecida por isso como a surgeon’s photo), popularizou a lenda além-fronteiras. Hoje, no entanto, sabe-se que a imagem foi falsificada.
Mas a popularidade de "Nessie" e da respectiva lenda não foi abalada pelos sucessivos desmentidos, e o Lago Ness, situado nas Terras Altas da Escócia, no Reino Unido, tornou-se um ponto de grande atracção turística. Até hoje, mais de mil pessoas afirmaram ter avistado a criatura. Em 2016, houve uma nova onda de entusiasmo quando a imagem de um sonar revelou algo no fundo do lago com uma forma semelhante aquela que é atribuída ao monstro. Mas, afinal, não passava de um modelo usado durante as gravações, em 1970, do filme A vida íntima de Sherlock Holmes, explica a BBC.
São várias as teorias sobre o monstro do Lago Ness. Alguns acreditam que a criatura não passa de um bagre ou de um esturjão gigante. Outros afirmam que "Nessie" é um plesiossauro de pescoço comprido que, de alguma forma, sobreviveu à extinção dos dinossauros. Teorias à parte, a existência do ser nunca foi provada.
Espera-se então que até ao final de 2018 haja respostas. Porém, e mesmo que se confirme que tudo não passa de um mito, Neil Gemmell afirma, segundo a agência Associated Press, que os verdadeiros crentes em "Nessie" não serão dissuadidos. "Nas nossas vidas, nós queremos que ainda existam mistérios, alguns dos quais vamos eventualmente resolver. Isso faz parte do espírito da descoberta. E, às vezes, o que se encontra pode não ser o que se esperava", conclui.
Texto editado por Pedro Guerreiro