Árvore nacional, o sobreiro já tem o genoma descodificado

Equipa do projecto que tem cientistas de cinco instituições portuguesas publicou a primeira versão da sequenciação do ADN do sobreiro. Este trabalho será assim a base de todas as investigações genéticas que se farão sobre esta árvore.

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Este foi o sobreiro sequenciado e encontra-se na Herdade dos Leitões, em Montargil DR

O sobreiro é a árvore nacional de Portugal e um símbolo da paisagem no Sudoeste europeu. Agora, pela primeira vez, uma equipa de 21 cientistas portugueses e uma espanhola conseguiu sequenciar o seu genoma. Embora ainda não seja a versão final, esta é a caracterização genética mais completa do sobreiro alguma vez divulgada. Ficamos assim a conhecer melhor os genes que compõem a árvore que dá alma ao montado e a saber que tem um terço da dimensão do nosso genoma. O estudo foi publicado na última edição da revista científica Scientific Data.

“O sobreiro (Quercus suber) é nativo do Sudoeste da Europa e do Noroeste de África, onde tem um papel ambiental e económico crucial”, lê-se logo no início do artigo. “Para resolver os desafios industriais e da produção do sobreiro, uma investigação avançada é imperiosa, mas está dependente da disponibilidade da sequenciação do genoma. Para resolver isto, produzimos a primeira versão do rascunho do genoma do sobreiro.”

A missão dos cientistas para descodificar o genoma do sobreiro começou no final de 2013 e esse projecto chama-se “Genosuber – Sequenciação do Genoma do Sobreiro”. Depois de “longos anos de esforço e persistência para angariar os fundos necessários”, como se destaca num comunicado sobre o trabalho, o projecto conseguiu financiamento do programa comunitário de política regional InAlentejo e de patrocinadores privados (Corticeira Amorim, Cork Supply e Caixa de Crédito Agrícola).

Coordenada pelo Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (Cebal, em Beja), a equipa do Genosuber contou com cientistas do parque tecnológico Biocant (em Cantanhede), do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) – os três últimos em Oeiras. Além do financiamento, a descodificação do genoma também foi possível graças ao desenvolvimento de tecnologias e técnicas mais avançadas de sequenciação, sobretudo desde 2010, que permitiram acelerar este tipo de trabalhos.

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A equipa portuguesa durante os trabalhos científicos DR

Com tantos sobreiros no país, como os cientistas conseguiram escolher a árvore? Começaram por analisar 28 sobreiros de quatro regiões. “Todos estes sobreiros produzem, de uma forma consistente, cortiça de boa qualidade, o que garante que a árvore seja um sobreiro puro”, conta ao PÚBLICO Marcos Ramos, investigador em bioinformática no Cebal e principal autor do trabalho. Acabaram por eleger o sobreiro HL8, que está desde o século XIX na Herdade dos Leitões, em Montargil, que pertence ao engenheiro João Pereira Lopes. “Foi escolhido por ter o genoma com menor taxa de heterozigotia [menor variabilidade genética] – o que é uma vantagem para um projecto de sequenciação de genoma –, por ser uma árvore centenária e ter um vigor apreciável.”

Agora, mais de quatro anos depois, a equipa lança a primeira sequência do ADN deste sobreiro. “Neste momento, temos conhecimento da maioria dos genes que está no sobreiro e da sua estrutura mais básica. Esta informação antes não existia”, aponta Pedro Barros, biólogo no ITQB e um dos autores do artigo. A equipa verificou que o sobreiro tem 953 milhões de pares de bases no ADN, frisa o biólogo, acrescentando que numa previsão anterior, através da técnica de citometria de fluxo, tinha-se verificado que o genoma do sobreiro teria 934 milhões de pares de bases. Comparando o genoma desta árvore com outros, pode-se concluir é maior do que o do arroz e tem só um terço da dimensão do genoma humano, refere-se no comunicado.

“Esta primeira versão da sequência do genoma do sobreiro será um recurso de muita utilidade para todo o sector do sobreiro e da cortiça, desde a produção à investigação científica”, considera Marcos Ramos, de 44 anos. “Em princípio, irá acelerar o ritmo de desenvolvimento de novas soluções para vários problemas que afectam o sector, como por exemplo a qualidade da cortiça e a mortalidade dos sobreiros que é observada em algumas regiões do país.”

Como um edifício que se constrói

E que contributos práticos terá esta sequenciação? Marcos Ramos responde que esta versão do genoma do sobreiro só por si não resolverá os problemas mais relevantes do sector. “No entanto, vai permitir que o desenvolvimento de soluções para esses problemas seja feito de uma forma muito mais rápida e eficiente”, indica. E até faz uma analogia: “A determinação do genoma do sobreiro é o equivalente ao estabelecimento dos alicerces quando se constrói um edifício. A partir de agora, é nestes alicerces que muitas linhas de investigação sobre o sobreiro se vão sustentar.”

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O investigador Marcos Ramos DR

Pedro Barros também destaca este ponto de partida no estudo da diversidade genética dos sobreiros: “A partir daqui, vamos poder sequenciar outros sobreiros.” Depois, os cientistas poderão verificar se há parâmetros em comum – como a produção de cortiça, a resistência a factores ambientais (por exemplo, a secura) e doenças e a produção de bolotas. “Este conhecimento faz com que seja mais rápido sequenciar outras árvores e ver a variabilidade genética que existe.” Este trabalho fica agora disponível gratuitamente para toda a comunidade científica através da base de dados do Centro Nacional para a Informação Biotecnológica, nos EUA.

Mas a equipa está ainda interessada em fazer outras versões do genoma do sobreiro. “A disponibilização de uma versão melhor do genoma do sobreiro está prevista ainda para 2018”, adianta Marcos Ramos. Também está a estudar os processos biológicos envolvidos na formação e qualidade da cortiça e a gerir a única população conhecida de sobreiros com pedigree (sabe-se qual é o pai e a mãe de cada sobreiro), na zona de Serpa.

Marcos Ramos faz ainda questão de realçar o feito da sua equipa: conseguiu provar que “existe em Portugal capacidade para executar este tipo de projectos que exigiram a aquisição de novas competências, equipamentos e conhecimentos.” Afinal, esta foi uma investigação de cientistas em Portugal sobre os mistérios que esconde o ADN da árvore nacional do país, declarada assim pela Assembleia da República em 2011.

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