Mamma mia! É agora que acaba a Europa?
O novo governo italiano é como de costume: caótico, contraditório e provavelmente curto.
E eis que as esperanças dos euro-apocalípticos se viram agora para a Itália e para o governo de coligação entre a Liga (antiga Liga Norte, de extrema-direita e ex-separatista) e o Movimento 5 Estrelas (partido do cómico Beppe Grillo e de um eclético populismo anti-sistema). Altura de olhar então para o novo governo italiano e perguntar: é agora que chega o fim da Europa?
Em primeiro lugar, uma palavra para como chegámos aqui. Duas palavras, na verdade: Matteo Renzi. Foi o ex-primeiro-ministro italiano que decidiu apostar tudo num referendo constitucional de grande complexidade, reduzindo-o a uma escolha entre ele e o caos. Os italianos rejeitaram massivamente a chantagem de Renzi, e este não teve outro remédio se não demitir-se. Passado poucos dias já estava arrependido e agarrou-se à liderança do seu Partido Democrático para fazer sombra ao novo primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, enquanto este conseguia ir gerindo o governo com discrição e eficácia, e até finalmente apresentar alguns resultados económicos moderadamente favoráveis. Mas as eleições aproximavam-se e Matteo Renzi lá se apresentou como candidato principal, sem dar espaço a Gentiloni. Depois de um novo resultado negativo, Renzi lá apresentou (outra vez) a demissão de secretário-geral mas não, como dizem os seus apoiantes, de “líder”. A partir da sombra continuou a condicionar o seu partido e, em particular, tudo fez para impedir a formação de um governo entre o Partido Democrático e o Movimento 5 Estrelas, hipótese que constituiria um obstáculo para a sua estratégia de regresso ao poder. E assim ele lá ameaçou partir o Partido Democrático ao meio se a nova direção se arriscasse a dialogar com o 5 Estrelas.
Como então escrevi, a formação de um governo apoiado pelo Partido Democrático e o 5 Estrelas seria a melhor solução para a Itália, tendo em conta os resultados. O 5 Estrelas recolheu principalmente votos de esquerda e sobretudo do Sul do país. Por outro lado, à falta de melhor plataforma para a participação política fora dos partidos tradicionais, o 5 Estrelas foi gradualmente agregando alguns candidatos com boa reflexão sobre os problemas de Itália e da Europa. As suas propostas keynesianas para a economia, se combinadas com as políticas sociais mais progressistas do Partido Democrático, poderiam resultar num governo que surpreenderia positivamente os observadores europeus e internacionais. Foi isso que Renzi conseguiu impedir.
E o governo Liga-5 Estrelas, que começou a formar-se quando goradas as possibilidades de diálogo com o Partido Democrático? Comecemos pelo confronto com a União Europeia, que a Liga tinha prometido durante a campanha e que economistas a ela ligados, como Alberto Bagnai e Claudio Borghi, tinham acicatado nas redes sociais. O primeiro destes, oriundo da esquerda e agora rendido ao nacionalismo da Liga por via da eurofobia, começou a recuar sinalizando que a saída do euro “não era uma prioridade” — para dizer o mínimo. Quanto ao segundo, que é aliás pouco mais do que um charlatão que pretendia pagar as pensões e salários dos italianos com denominações reduzidas da dívida pública chamadas “minibots”, já veio desligar-se do novo programa de governo dizendo que pouco tem a ver com ele. Os verdadeiros crentes na saída do euro ficarão agora desiludidos e irão engrossar as fileiras de partidos fascistas italianos como a Casa Pound. Mas, de resto, o novo governo italiano é como de costume: caótico, contraditório e provavelmente curto.
E não, não é por ali que acaba a União Europeia. O que este episódio veio novamente demonstrar é que a política dos euro-apocalípticos é um beco sem saída. A única verdadeira alternativa não é torcer pelo fim do projeto europeu, é explicar o que se quer fazer com ele.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico