Houve bons coleccionadores e galeristas satisfeitos, mas talvez a ARCOlisboa "pudesse ser mais curta"
A terceira edição revelou uma feira mais estabilizada, onde várias coisas vão melhorando, mas também mais lenta, na opinião de alguns galeristas. Os portugueses vendem bem, alguns estrangeiros nem tanto.
Em dia de balanço, a poucas horas do fecho da terceira edição da ARCOlisboa, o galerista espanhol Juan Silió parecia o homem mais feliz da feira de arte contemporânea. “Vir pela primeira vez e vender tudo não é normal. Viemos com um artista português, Nuno Nunes-Ferreira, vendemos todos os projectos. E o mais importante é o reconhecimento que houve do artista na imprensa”, dizia ao PÚBLICO o galerista que vendeu Verão Quente (2017), uma obra sobre o 25 de Abril, a um coleccionador privado de Madrid. Com 2,80 metros de largura, é uma espécie de escaparate com jornais e revistas originais publicadas entre 1974 e 1977.
Outra das peças desta galeria que estava na zona dos projectos especiais, dedicados a um só artista, foi vendida para a Câmara Municipal de Lisboa (CML), parceira da IFEMA, a empresa que organiza a ARCO nas duas capitais da Península Ibérica. O director da feira, o espanhol Carlos Urroz, contava-nos que, segundo estimativas da organização, a feira recebeu durante os cinco dias em que esteve de portas abertas na Cordoaria Nacional cerca de 11 mil visitantes, mais 10 % do que no ano passado; também o número de galerias, 72, foi superior ao da edição anterior. Além das compras feitas pela CML, a ARCO também anunciou este domingo que a Fundaçao Helga de Alvear, sediada em Cáceres, comprou obras de Mario Merz e de Julião Sarmento na Galeria Giorgio Persano (Itália) e de Gil Heitor Cortesão na Galeria Pedro Cera (Portugal). A Fundação de Serralves ainda não divulgou as suas compras e a Fundação EDP decidiu não fazer nenhuma aquisição este ano, embora continue a ser mecenas do evento.
Mas se o galerista Pedro Cera, participante do programa geral que integra 50 galerias, estava bastante satisfeito (“foi óptimo”), já Giorgio Persano se mostrou mais comedido (“foi ok”). “Atingimos os nossos objectivos. Como em todas as feiras, nunca acontece o ideal, vender de todos os artistas. Vendemos Miguel Branco e Gil Heitor Cortesão”, afirmou Pedro Cera, explicando que em relação a Gil Heitor Cortesão se consumou um namoro que começou há três anos com um coleccionador alemão.
Perto, na Galeria Millan, a brasileira Cristina Tolovi, que apresentou o trabalho do artista Emmanuel Nassar, diz que a feira foi “bem difícil”: “A gente fez mais contactos com estrangeiros, mas com poucos coleccionadores portugueses. É preciso que existam eventos de relacionamento, de integração, como jantares, para conhecermos esses coleccionadores.” Luís Valverde, da espanhola Espacio Mínimo, também admitiu que ao fim de três anos na ARCOlisboa ainda não conseguiu chegar aos coleccionadores de topo portugueses. O galerista, que mostrou trabalhos de um nome histórico como a argentina Liliana Porter, acha que há demasiadas coisas a acontecer fora da feira e que este ano houve menos gente no edifício da Cordoaria Nacional. “Mas ao fim de três anos a ARCOlisboa está a fazer perguntas a todos nós. Foi uma feira muito produtiva em ideias para o futuro. Depois de acabar de ver todos os números, logo decido se vou voltar. É preciso fazer uma pequena grande feira, não uma feira boutique. Aqui não se pode crescer mais.”
Concha Aizpuru, directora da Galeria Juana de Aizpuru, um nome histórico do galerismo espanhol, considera que a organização da ARCOlisboa esteve melhor este ano, em vários sentidos, mas não podia dizer que a feira estivesse a correr bem: “Esteve muito animado, porque houve mais coleccionadores do que noutros anos. Não só espanhóis e portugueses, mas americanos, canadianos e europeus. Vendemos, mas queremos vender mais, porque não foi suficiente.” As vendas, acrescenta, são fundamentais para que a feira persista: “Foram só vendas privadas. Nada institucional. A cidade oferece muita actividade cultural, é muito agradável, mas devia haver alguns compromissos de compras de grandes empresas e museus, como em Espanha.” Também na Galeria Helga de Alvear, outro peso-pesado espanhol, que fez pela primeira vez a feira, o panorama não era muito animador.
Mais lenta este ano
Numa feira em que quase 50 das galerias eram portuguesas (29) e espanholas (20), havia quem salientasse exactamente o interesse de estar numa feira mais local, onde não estão gigantes como as galerias Gagosian ou Hauser & Wirth. Era o caso da londrina Greengrassi, participante habitual na Art Basel e na Frieze, que veio pela primeira vez à ARCOlisboa. Luís Miguel Araújo, que trabalha na galeria, reconhecia a poucas horas do encerramento desta terceira edição que o facto de ser português também ajudou à presença da Greengrassi em Lisboa: “Está a correr bem, as pessoas estão interessadas, mas também não estávamos à espera de fazer logo vendas porque viemos com artistas que penso que não tinham feito exposições aqui, à excepção da Frances Stark, que expôs na Culturgest.”
A italiana Paola Capata, que se instalou com a sua galeria Monitor há cerca de um ano em Lisboa, fez a feira pela segunda vez. Sente que já atingiu metade dos seus objectivos. “No ano passado era demasiado nova para perceber as galerias, os curadores; agora já me sinto a trabalhar na cena artística de Portugal. Depois, preciso de trabalhar mais a parte comercial, mas o meu investimento é a longo prazo.” O programa VIP para profissionais, coleccionadores, directores de museus e curadores “é muito bom”, diz esta galerista que esteve ligada ao lançamento de uma feira como a Granpalazzo: “É do melhor que vi na Europa. Vieram clientes meus, mas também cá vi pessoas que se organizaram e vieram sozinhas, como um grupo de Bergamo.” Na sua opinião, como de outros galeristas que ouvimos, talvez a feira pudesse "ser mais curta" e começar só na quinta-feira, para ficar mais concentrada.
Também na sua primeira participação, a galeria russa Iragui dividiu o stand com a londrina Narrative Projects, que no ano passado estava na secção Opening, dedicada às jovens galerias. Entre uma série de artistas que mostram uma ligação à escrita, o destaque ia para o russo Pavel Pepperstein, que representou o seu país na Bienal de Veneza em 2009, mas também pudemos ali encontrar o trabalho do português Carlos Noronha Feio. Ekatherina Iragui gostou muito do programa de visita aos espaços das galerias na cidade, que fez todas as manhãs, antes de a feira abrir às 14h: “As galerias portuguesas estão numa situação muito boa. Isso é importante, porque as pessoas do programa VIP nunca vão viajar só pela feira. Fiquei mesmo contente e no próximo ano vou trazer pessoas.” Quanto a Daria Kirsanova, o balanço só se pode fazer mesmo no fim: “Eu sei do ano passado que as coisas acontecem até domingo.”
Fernando Santos, Pedro Oliveira e João Azinheiro (Kubik) também viram uma feira mais lenta este ano, principalmente para as peças mais caras. Já Vera Cortês estava menos eufórica do que no ano passado, mas a feira também lhe correu bem, destacando a galerista, especialmente, as visitas dos coleccionadores às galerias durante as manhãs. Na Galeria Filomena Soares, Manuel Santos estava "contente”, enquanto Jorge Viegas, da 3+1, diz que a feira “correu bem”, principalmente as vendas de Rita Ferreira, uma artista com 26 anos. “A feira está muito melhor”, acrescenta por seu turno Jorge Viegas, porque “as galerias elevaram o nível e trouxeram propostas muito boas”. Bruno Múrias, a quem a feira também “correu muito bem”, destacava a qualidade dos coleccionadores, que já não são só espanhóis e portugueses mas chegam até do outro hemisfério, vindos de um país como a Austrália.
Carlos Urroz faz um balanço "muito positivo", dizendo que a feira “está estabilizada”. É sempre importante ouvir o que os galeristas têm para dizer, nota, agora que se cumpriram três anos de ARCOlisboa, uma vez que eles são os principais interessados e é preciso que se sintam “confortáveis”. Destaca a introdução da secção Projectos, que correu “muito bem”, tal como a dedicada às jovens galerias, a Opening, que este ano deu pela primeira vez um prémio ao melhor stand, atribuído à galeria polaca BWA.
Para 2019, será preciso decidir se a feira continuará na Cordoaria, pois o compromisso assumido era apenas por três anos. Aqui, ou noutro lugar, a ARCOlisboa está suficientemente crescida para já ter a concorrência de uma feira-satélite, a JustLX, que pela primeira vez, vinda também de Madrid, se instalou em Lisboa e durou os mesmos dias, juntando outras tantas galerias.