Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida preocupado com fraude na investigação científica
Relatório deste órgão crítica “escassez de orientações” formais sobre integridade da investigação científica em Portugal e sugere a criação de entidades que supervisionem os casos de má conduta nas instituições nas quais se faz investigação e de uma comissão nacional.
Actualmente, “assistimos a um conflito entre o valor da verdade em ciência e a lógica imposta pelas métricas de avaliação dos investigadores e das instituições”. Lógica essa, diz o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) num relatório sobre a integridade na investigação científica — de Fevereiro de 2018 — ,“que tem obrigatoriamente que ser revisitada". Para isso, é preciso “promover uma política sólida e eticamente robusta de integridade na investigação”.
Portugal é “um dos poucos países que não tem uma estratégia política nacional relativamente a este assunto”, aponta a relatora do documento e conselheira do CNECV, Ana Sofia Carvalho, ao PÚBLICO. Esta falha “compromete não só a investigação dessas questões como também, no futuro, a credibilidade dos nossos cientistas”. Ainda assim, a professora sublinha que "isto não quer dizer que as universidades e centros de investigação não tenham códigos de conduta", mas que, independentemente disso, "têm de ser políticas equitativas".
Para solucionar o problema, e dada a “escassez de orientações” sobre as boas práticas na investigação científica em Portugal, o CNECV recomenda a criação de uma entidade — que pode ser uma comissão ou uma personalidade — em todas as instituições de investigação e do ensino superior que monitorize “potenciais situações de má conduta”. Esta figura “deverá reportar directamente ao responsável máximo da instituição, tendo o poder de mediar e apreciar, sem poder decisório, as queixas que lhe são dirigidas e proceder a averiguações”. “A figura do provedor é a que me parece fazer mais sentido” em Portugal, diz Ana Sofia Carvalho.
Além disso, para que se garanta “um processo apropriado, justo, uniforme e com resultados e sanções adequadas e equitativas a nível nacional, poderá ser criada uma Comissão Nacional para a Integridade Científica”, acrescenta o CNECV. Este órgão deverá tratar casos relacionados com “suspeitas de fabricação, falsificação e de omissão deliberada de dados indesejáveis, que são violações graves do ethos da investigação”.
O Código Europeu de Conduta para a Integridade Científica deverá servir de referência aos códigos desenvolvidos pelas instituições, aconselha ainda o CNECV.
Para o coordenador científico do I3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, da Universidade do Porto, Mário Barbosa, “o que é descrito no documento do CNECV é algo que se verifica a nível mundial e que resulta de vários factores, incluindo a excessiva competitividade em que a actividade científica é hoje desenvolvida”. “Portugal não é melhor nem pior que os restantes países”, diz o coordenador desta instituição, que desde 2016 está a desenvolver trabalhos no âmbito da conduta ética interna, em respostas escritas ao PÚBLICO
Coimbra e Porto já têm comissões de ética
Na Universidade de Coimbra, por exemplo, as comissões de ética também já são uma realidade há algum tempo. “Temos várias comissões para diferentes áreas de pesquisa”, explica o vice-reitor para a Investigação, Amílcar Falcão, ao PÚBLICO. E “uma comissão que supervisiona todas estas”. Tanto as comissões que monitorizam a actividade interna das instituições, como uma que se ocupe disso a nível nacional, “fazem falta”, assegura.
Na Universidade do Porto a realidade é semelhante. Desde 2008 que existe uma comissão de ética da Universidade e foram sendo criadas outras em cada uma das suas faculdades e centros de investigação. “Em 2011, a Comissão de Ética da Universidade Porto criou um documento orientador sobre a Integridade Académica que incluía um capítulo especificamente sobre a ‘conduta imprópria em investigação’”, detalha fonte desta instituição.
Quanto às causas deste problema, o CNECV aponta várias. Por um lado, questões estruturais, como “a avaliação do prestígio do investigador e do impacto científico do seu trabalho, baseada na norma publish or perish” (que se traduz livremente como: publicar ou perecer). Depois razões individuais, associadas a “traços da personalidade socialmente desajustada, a vaidade e o desejo de atingir uma elevada reputação científica e o reconhecimento pelos pares, assim como a convicção apaixonada por uma determinada teoria, linha de investigação ou tese científica”. E organizacionais, como “a falta de políticas institucionais eticamente robustas e justas na área da integridade ou comunicação, supervisão e tutoria inadequadas”.