O dia da festa em Jerusalém afinal foi o dia dos mortos em Gaza

Militares israelitas mataram pelo menos 55 palestinianos que se manifestavam junto à barreira que separa a Faixa do território israelita. Foi o dia mais mortífero do conflito desde 2014, desviando as atenções da inauguração da embaixada dos EUA.

A maioria dos habitantes de Gaza são jovens e nunca saíram do território
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A maioria dos habitantes de Gaza são jovens e nunca saíram do território Mohammed Saber/EPA
Um palestiniano lança uma pedra na direcção de Israel
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Um palestiniano lança uma pedra na direcção de Israel Haitham Imad/EPA

Enquanto o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, se congratulava com um dia de festa, Israel era fortemente criticado pela resposta de soldados que dispararam contra manifestantes que tentavam chegar à barreira que separa a Faixa de Gaza do seu território. Os militares mataram 55 palestinianos e deixaram mais de 2400 feridos, centenas dos quais atingidos a tiro.

Foi o dia mais mortífero do conflito israelo-palestiniano desde a guerra de 2014 em Gaza. O dia acabou com ameaças de que esta terça-feira ainda será pior: O Hamas promete protestos maiores; Israel avisa que poderá voltar a assassinar líderes do movimento se este não recuar.

Em Gaza todos se preparavam para isto: o Hamas, no poder no território, a fazer subir o tom com a ideia de passar a barreira e entrar em Israel, e a ordenar a preparação dos já muito escassos recursos de saúde – um dos principais hospitais tinha uma grande tenda para receber feridos extra e o Crescente Vermelho aumentou o pessoal e colocou voluntários nos postos móveis de saúde nos vários pontos principais da marcha.

As razões para que tantas pessoas se exponham ao perigo de ser atingidas a tiro para se aproximar da barreira estão sobretudo ligadas ao cerco ao território, que dura há onze anos, desde que o Hamas venceu as eleições e ficou no poder no território.

A maior parte das pessoas em Gaza não está preocupada com Jerusalém ou com a embaixada americana, mas sim em saber quando terão electricidade a um dado dia, se têm água suficiente, se têm emprego. Porque por causa do cerco e de desentendimentos entre as lideranças, em Gaza há cerca de quatro horas de electricidade por dia (nunca à mesma hora, sempre sem se saber quando). A falta de electricidade afecta tudo, não há energia para dessalinizar a água, e mais de 90% das casas não têm água potável – há uns pequenos camiões cisterna azuis nas ruas, que anunciam com música a sua passagem, onde as pessoas enchem garrafões ou de onde sai uma mangueira para deixar a água em depósitos de água no telhado.

Desespero e iniciativa

Gaza tem uma população jovem, mas a maioria nunca saiu dali, as autorizações são raras e mesmo alguém que já tenha tido autorização pode ver negado o pedido de saída – e se muitos jovens se dedicam especialmente ao estudo para poderem ter mais hipóteses, a maioria não consegue viajar para continuar a estudar fora.

Muitos palestinianos viram na marcha uma hipótese de ter uma iniciativa: e se as imagens que saíram da marcha foram de violência, por trás havia toda a uma estrutura de convívio e partilha (de danças tradicionais, histórias das aldeias) que deu algum sentido de propósito além do aproximar da fronteira.

Joe Dyke, jornalista da AFP que tem acompanhado os protestos desde o início a 30 de Março, resumiu assim: “suspeito que é uma combinação de desespero absoluto, encorajamento dos líderes, desejo de voltar a ter a questão em cima da mesa (o que aconteceu) e também simplesmente ter algo para fazer”.

Algumas pessoas voltavam uma e outra vez à marcha, mesmo depois de terem sido feridas por tiros. Alguns tinham ligaduras nos braços.

O Hamas, que inicialmente desdenhou da ideia de uma marcha pacífica para lembrar o direito de retorno (dos palestinianos e suas famílias às terras de onde fugiram ou foram expulsos há 70 anos, com a criação de Israel), começou a ver nela uma oportunidade. Levou combatentes (desarmados) para perto da fronteira. Organizou autocarros. De vez em quando, entre os papagaios com as bandeiras palestinianas que voavam perto da fronteira, havia um com chamas ou Cocktails Molotov, e alguns provocaram incêndios em Israel.

Mas apesar de haver motivo para temer uma passagem de elementos do Hamas para Israel, o uso de balas reais contra manifestantes desarmados foi duramente criticado por organizações de defesa de direitos humanos e alguns países: a África do Sul retirou o seu embaixador em Telavive. Outros reagiram reconhecendo o direito de Israel a proteger as suas fronteiras mas pedindo uma resposta proporcional e o respeito do direito a manifestações pacíficas (foi o caso de Portugal, que num comunicado do MNE sublinhava ainda a “insustentabilidade da situação em Gaza” e pedia um retomar urgente de negociações).

A marcha, programada para ocorrer às sextas-feiras e terminar esta terça-feira, quando os palestinianos assinalam a Nakba (no dia seguinte à independência de Israel), acabou por ter um dia extra, coincidindo com a inauguração da embaixada.

Nos media internacionais, foi Gaza que dominou o dia.

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Do lado de Israel, o ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, prometeu “continuar a proteger a soberania de Israel e os seus cidadãos de qualquer tentativa de provocar mal”; do lado americano o porta-voz da Casa Branca declarou que a responsabilidade pelas mortes “é exclusivamente do Hamas”.

“Dia glorioso”

Na cerimónia da embaixada, Jared Kushner, genro e conselheiro de Donald Trump, disse algumas palavras e referiu-se aos acontecimentos, declarando que “como vimos pelo protesto do último mês os que provocam a violência são parte do problema e não da solução”. A transcrição oficial da Casa Branca, notou no Twitter o jornalista da MSNBC Ayman Mohyeldin, cortou esta parte.

Na embaixada, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, expressava o seu contentamento: “Caros amigos, que dia glorioso! Lembrem-se deste momento! Isto é História!”

A cidade estava cheia de bandeiras e bandeirinhas de Israel e no bairro da embaixada juntavam-se também as dos Estados Unidos. Cartazes por toda a cidade diziam: “Obrigado Presidente Trump”.

Era o dia do coroar do sucesso de Netanyahu.

Trump deixou uma mensagem vídeo, dizendo que “Israel é um país soberano e tem o direito de determinar a sua capital, mas durante anos não reconhecemos o que era óbvio”.

A sua filha e conselheira da Casa Branca, Ivanka, revelou a nova inscrição dizendo “embaixada americana” (mudando o nome e função do consulado-geral, antes da construção de uma nova embaixada).

Os EUA dizem estar a preparar uma proposta de plano de paz, e Kushner disse acreditar que “ambos os lados ganhem mais do que percam para que todos possam viver em paz, a salvo de perigos, longe do medo, e com possibilidade de seguir os seus sonhos”.  

Já Netanyahu contou como em criança morava umas ruas acima, mas, então com três anos, não estava autorizado a chegar perto porque corria o risco de ser atingido por snipers jordanos que controlaram, até 1967, a parte oriental da cidade.

“Isso foi na altura, isto é agora!”, regozijou-se. “Hoje a embaixada da nação mais poderosa na terra, o nosso aliado, os Estados Unidos da América, hoje a sua embaixada é aberta aqui!”

Mas o primeiro-ministro foi forçado a sair da atitude festiva para emitir uma declaração sobre o que foi, afinal, o tema do dia: “Todos os países têm o direito de defender as suas fronteiras”, afirmou num comunicado. “O Hamas diz que as suas intenções são destruir Israel e está a mandar milhares para atravessar a fronteira com esse fim”.

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