Salma Hayek pede aos actores que aceitem cortes salariais a favor da igualdade
Várias manifestações a favor dos direitos das mulheres tiveram lugar no Festival de Cannes, no seguimento da onda de denúncias de assédio sexual em Hollywood.
A actriz Salma Hayek afirmou, neste domingo, durante a 71.ª edição do Festival de Cinema de Cannes, que os actores masculinos de Hollywood deveriam sacrificar-se e aceitar cortes salariais em nome da igualdade de género.
Hayek, apoiante dos movimentos pelos direitos das mulheres #MeToo e Time’s Up, disse numa palestra do Women in Motion – um programa de debate sobre o papel das mulheres no cinema, parceria entre a marca de artigos de luxo Kering (que pertence a François-Henri Pinault, marido de Salma Hayek) e o Festival de Cannes – que os actores com salários mais elevados deveriam abdicar das remunerações para acabar com a desigualdade salarial. "Não são apenas os produtores" que precisam de mudar, "são os actores também", disse segundo o jornal britânico Guardian.
A estrela de Hollywood explicou que, se os principais actores continuarem a exigir vencimentos inflacionados, acaba por não restar dinheiro suficiente para remunerar devidamente as actrizes. Um exemplo prático: "Se o orçamento do filme for de 10 milhões de dólares, o actor precisa de entender que, se ele ganhar 9,7 milhões de dólares, torna-se difícil para [estabelecer] a igualdade", correndo-se o risco de o filme ser cancelado se o orçamento não for suficiente, esclareceu.
A actriz mexicana (naturalizada norte-americana), de 51 anos, acredita que a disparidade salarial ainda vai ser uma realidade durante algum tempo face à resistência por parte da indústria, sendo por isso necessário continuar a pressionar os agentes do sector contra a desigualdade de género. "Acabou o tempo. Vocês tiveram uma boa caminhada, mas agora é hora de serem generosos com as actrizes", acrescentou. "Deveríamos ter ficado mais chateadas mais cedo. Deveríamos ter-nos unido mais cedo – porque foi isso que fez a diferença", concluiu Hayek segundo a estação britânica BBC.
Face à divulgação das desigualdades de género e das disparidades salariais em Hollywood, o actor britânico Benedict Cumberbatch afirmou, por sua vez, à revista britânica RadioTimes que irá recusar papéis em filmes caso a sua parceira feminina (co-star, em inglês) não receba a mesma quantia.
Cumberbatch, apoiante do feminismo, pediu aos actores de Hollywood que boicotem os projectos que contribuem para o fosso salarial entre homens e mulheres. "Igualdade salarial e um lugar à mesa são os princípios centrais do feminismo", disse o actor citado pela RadioTimes. Solicitou, então, que os actores olhassem para as suas quotas e questionassem quanto as mulheres estão a ser pagas e que se insurgissem a favor da igualdade de género. "Digam: se ela não for paga da mesma forma que os homens, eu não vou fazer isso", pediu o actor britânico.
O protagonista de filmes como O Jogo da Imitação (2014) ou Doutor Estranho (2016) anunciou ainda que usará a sua influência e a sua nova produtora de filmes, a SunnyMarch, para promover mais produções centradas nas mulheres. "Tenho orgulho de que o Adam [Ackland, seu sócio] e eu somos os únicos homens na nossa produtora; o nosso próximo projecto é uma história feminina com uma lente feminina sobre a maternidade, num momento de desastre ambiental", disse Cumberbatch à revista britânica. "Se [o projecto] é centrado em torno do meu nome, para atrair investidores, então podemos usar essa atenção para uma série de projectos femininos. Metade da audiência é feminina", esclareceu.
82 realizadoras femininas desde 1946
Várias foram as actrizes que se manifestaram a favor dos direitos das mulheres durante o Festival de Cannes, que termina a 19 de Maio. No sábado, 82 mulheres pertencentes à indústria cinematográfica, incluindo Cate Blanchett, Ava Du Vernay, Kristen Stewart, Jane Fonda e Patty Jenkins (realizadora do filme Mulher-Maravilha), protestaram em silêncio nas escadas da passadeira vermelha contra a sub-representação feminina em Cannes.
"Somos 82 mulheres, representando o número de realizadoras do sexo feminino que subiram estas escadas desde a primeira edição do Festival de Cinema de Cannes, em 1946. Durante o mesmo período, 1688 realizadores do sexo masculino subiram estas mesmas escadas", disse Cate Blanchett, presidente do júri do festival, durante a leitura de um depoimento colectivo. "A prestigiada Palma d'Ouro – prémio do Festival de Cannes – foi concedida a 71 realizadores do sexo masculino, demasiado numerosos para mencionar pelo nome, mas a apenas duas realizadoras do sexo feminino", acrescentou a actriz australiana. O grupo de actrizes apelou às instituições por condições de trabalho mais seguras para as mulheres e pela promulgação de leis que imponham a igualdade salarial.
Weinstein e um "momento emocionante" para os homens
Salma Hayek faz parte das mais de 80 mulheres que acusam Harvey Weinstein de assédio sexual, alegando que o produtor ameaçou partir-lhe as rótulas dos joelhos depois de esta ter rejeitado os seus avanços sexuais durante a gravação do filme Frida (2002). Weinstein desmentiu as alegações e nega ainda todas as acusações de "sexo não consensual". De acordo com o Guardian, Hayek insiste que esta é uma estratégia da equipa de advogados de Weinstein para tentar desacreditar as "mulheres não-brancas que reclamavam dele", referindo-se ainda a Lupita Nyong'o — que também acusa Weinstein de abuso sexual.
Em contrapartida, Hayek acredita que se está a assistir a uma verdadeira mudança desde que veio a público o caso Weinstein. "Os homens estão aterrorizados. Os predadores estão a esconder-se. Sente-se essa atmosfera muito palpável", afirmou, citada pelo Guardian. Mas acrescenta que as mulheres não foram as únicas vítimas dos abusos de poder em Hollywood. "Muitos homens bonitos e pacíficos foram vítimas de bullying [por outros] homens que pensam que a identidade de um homem tem a ver com a violência", disse a actriz, segundo a BBC.
A estrela de Hollywood considera que este é um "momento muito emocionante para os homens", que "têm [agora] a oportunidade de repensar o que significa ser homem, e com isso vem muita liberdade", concluiu Salma Hayek.
Texto editado por Hugo Torres