E os submarinos? E o BPN? E Dias Loureiro?
Sejamos justos para com a singularidade de José Sócrates: ele é um caso absolutamente único na política portuguesa, e nada se lhe pode comparar.
Uma das reacções mais estupidamente pavlovianas à invocação do nome de José Sócrates, e à sua cumplicidade com tantos socialistas, consiste em elencar de imediato todos os casos de Justiça envolvendo figuras da direita – e lá vem Dias Loureiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, o BPN, os submarinos, Paulo Portas, Miguel Relvas, a Tecnoforma, e o mais que der jeito e assomar à memória. É uma espécie de troca de cromos duvidosos: tu apresentas um de esquerda, eu apresento um de direita, e assim demonstramos muito democraticamente que os partidos, no fundo, no fundo, são todos iguais, e que a corrupção é um mal transversal, que não olha a ideologias.
Sim, é verdade que a corrupção é um mal transversal, que não olha a ideologias. Mas não, não é verdade que seja tudo igual. Sejamos justos para com a singularidade de José Sócrates: ele é um caso absolutamente único na política portuguesa, e nada se lhe pode comparar. Muita gente tem dificuldade em perceber isto – e daí a obsessão por tentar encontrar exemplos idênticos no partido ao lado. Não vale a pena. José Sócrates não é um caso de corrupção no sentido convencional do termo. Ele não foi apenas um político que utilizou a sua posição de poder para promover de forma ilícita o enriquecimento pessoal. Isso seria uma simplificação inaceitável, e profundamente errada, do seu percurso e da sua ambição.
O corrupto convencional, que quer encher os seus bolsos e os bolsos dos que lhe são próximos, é uma figura banal e bastante disseminada; tal como é a empresa ou o banco que se encosta às encomendas do Estado para conseguir proliferar numa economia anémica em termos de investimento privado. Por aí, nada de original. E, de facto, para preencher estas categorias podemos ir buscar os Oliveiras e Costas, os BPN, os submarinos e tudo o resto. Contudo, aquilo que Sócrates procurou fazer nunca ninguém tentou antes: uma colonização feroz e autoritária de todos os ramos do poder – político, económico, financeiro, judicial e mediático.
Esta ideia que os seus antigos amigos nos querem agora impingir – como poderíamos saber dos negócios com Carlos Santos Silva? – esquece estrategicamente que o grande problema não foram os negócios com Santos Silva. Sócrates tomou conta da CGD e do BCP e toda a gente soube. Sócrates tinha uma enorme influência na PT e na EDP e toda a gente sabia. Sócrates pressionou jornalistas e conseguiu correr com Manuela Moura Guedes e toda a gente viu. Pinto Monteiro e Noronha de Nascimento impediram a investigação a Sócrates na tentativa de comprar a TVI e toda a gente foi informada. Nada disto foi secreto, ou sequer discreto. Tudo o que fez de José Sócrates uma personalidade singularmente perigosa esteve à vista de todos. Aconteceu à luz do dia, à frente da nossa cara.
Nenhum Dias Loureiro, nenhum Paulo Portas, nenhum Duarte Lima, nenhum político da direita com suspeitas no currículo alguma vez foi acusado de tentar algo semelhante. Suspeitas de dinheiros escuros, dinheiros para o partido ou para si próprio, sempre houve, com certeza. Mas a tentativa megalómana de controlar um país inteiro? Jamais. Estou convencido, aliás, que para Sócrates o dinheiro foi apenas um instrumento de poder – se o enriquecimento pessoal fosse o seu primeiro objectivo, não teria ido estudar para Paris. Sócrates é único, e o primeiro passo para evitar que a História se repita é admitir que ele não se parece com nenhum outro político. Paremos de comparar o incomparável.