Simbólico ou insignificante: o que os britânicos negros pensam do casamento de Harry e Meghan

Uma pesquisa do instituto britânico Future, no mês passado, sugeriu que a maioria dos britânicos mal notara a etnia de Markle, e que a grande maioria a aceita.

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Reuters/TOBY MELVILLE

Gaile Walters é advogada e não tem tempo para a monarquia britânica. No entanto, acredita que o casamento da actriz norte-americana Meghan Markle com o neto da rainha Isabel II, Harry, representa um momento importante para a comunidade negra da Grã-Bretanha.

"Isso tem de ser significativo. O facto de alguém negro ser casado com um membro da família real representa uma inclusão que nunca aconteceu antes", considera, ouvida pela Reuters enquanto faz compras em Brixton, no sul de Londres. "Não sou pró-monarquia porque não acho que alguém tenha nascido para governar. No entanto, entendo o simbolismo e isto [o casamento] é muito poderoso", acrescenta.

O anúncio do casamento de Harry, o sexto na linha de sucessão ao trono britânico, com Markle, cujo pai é branco e a mãe é afro-americana, revela como o Reino Unido se tornou mais igualitário e racialmente misto. Mas não só. Há 60 anos, casar-se com um divorciado era considerado inaceitável para um membro da real britânico, e só em 2013 passou a ser permitido casar com um católico sem ser tirado da linha de sucessão.

Assim, a entrada de Markle nesta família, exclusivamente branca, que exerce um poder simbólico extremamente emocional no Reino Unido, não deve ser subestimada, considera Afua Hirsch, autora de Brit(ish): Sobre raça, identidade e pertença. "Isso representa uma mudança real da mensagem que chega aos jovens que estão a crescer no Reino Unido", acrescenta.

Um país racista?

O casamento acontece num momento em que as questões raciais têm sido sublinhadas no Reino Unido. Ainda há um mês foi assinalado o 25.º aniversário do assassinato do adolescente negro Stephen Lawrence por racistas brancos, o que levou à força policial de Londres a ser rotulada de racista devido à forma como levou a cabo o inquérito.

Também foram assinalados os 50 anos desde o discurso "Rios de sangue" do político conservador Enoch Powell contra a imigração em massa e que advertia que "o negro terá a mão sobre o homem branco" se a imigração não fosse interrompida.

O Governo britânico também se viu atolado num escândalo por causa do tratamento a que foram submetidos alguns descendentes da geração Windrush, de imigrantes caribenhos, que foram convidados para viver no Reino Unido depois da Segunda Guerra Mundial, mas a quem não foram dados documentos e negados direitos básicos.

Markle, cujos antepassados maternos eram escravos, e Harry compareceram na cerimónia que assinalou o aniversário da morte de Lawrence; e tem havido muitos comentários sobre como as atitudes mudaram desde os dias de Powell. Mas outros dizem que o episódio Windrush trai a imagem que o Reino Unido quer passar.

O casamento "não significa nada", declara Kehinde Andrews, professor associado de sociologia na Birmingham City University e especialista em assuntos raciais. Andrews descreve o racismo "britânico como uma chávena de chá". "O que poderíamos celebrar no facto de que há um toque de café no principal símbolo de brancura do Reino Unido?", questiona. "Para mim esse é, em grande parte, o problema com a cobertura deste casamento. A monarquia é uma instituição. Adicionando um rosto negro, mais claro ou mais escuro, não vai mudar a instituição."

Uma pesquisa do instituto britânico Future, no mês passado, sugeriu que a maioria dos britânicos mal notara a etnia de Markle, e que a grande maioria a aceita. No entanto, 12% dos inquiridos pensa que alguém de etnia mista que se case com um membro da família real é "má" e 25% declara que se sentiria "desconfortável" se um filho tivesse um relacionamento sério ou casasse com alguém de uma etnia diferente.

O mesmo inquérito mostra que 33% dos entrevistados de minorias étnicas considera que o preconceito racial é tão grande quanto no tempo em que o jovem Lawrence foi assassinado. 

Reprimendas reais

Desde que se tornou público o namoro do casal que as origens étnicas de Markle têm atraído as atenções e nem sempre de uma maneira positiva. No final de 2016, Harry emitiu uma rara repreensão à imprensa, condenando o tom racial de alguns artigos.

Quando o casal deu a primeira entrevista depois do anúncio do noivado, em Novembro passado, Markle foi questionada sobre isso, e confessou que tal cobertura foi "desanimadora". Mas sublinhou como é orgulhosa das suas origens.

No mercado em Brixton, onde muitos imigrantes da Windrush se estabeleceram e que tem uma grande população negra, a opinião da esmagadora maioria das pessoas com quem a Reuters falou é a de que o casamento de Harry e Meghan é positivo, alguns comparando-o a Barack Obama, o primeiro Presidente negro dos EUA.

Essas reacções foram confirmadas na recepção calorosa que o casal recebeu quando, em Janeiro, visitou Brixton. "Acho que é bom para a nação ver alguém como ela casar-se com um membro da família real", afirma Noel Davis, de 60 anos. "Acho que vai ser emocionante, especialmente pelo facto de ser mestiça. Não deveria ser tão importante, mas o contexto histórico... Eu acho que é um pouco: ‘Uau, ai meu Deus isto está a acontecer’, quando não deveria ser...", acrescenta.

A escritora Afua Hirsch conta que os mais jovens admiram Markle e se mostram interessados neste casamento real de uma maneira diferente de a de casamentos anteriores. "Porque há alguém que se parece com eles, alguém cuja mãe se assemelha a alguém que eles são próximos", justifica.

No entanto, para Andrews e outros, isso apenas mostra o quanto a situação é má. "Markle não é o momento Obama no Reino Unido e não deve ser tratada como tal. Ser escolhido por um príncipe não é democracia", escreveu o autor Reni Eddo-Lodge no Twitter depois de o noivado ter sido anunciado. "Porque o racismo é tão mau e historicamente tão arraigado tendemos a procurar coisas boas, qualquer coisa", aponta Andrews. "Qualquer símbolo que possa ser bom, tendemos a comemorar demais. Mas quando nos sentamos e realmente analisamos o que aconteceu e o que mudou, percebemos que isso não significa absolutamente nada", lamenta.

Porém, para muitos nas ruas de Brixton a raça não é a questão principal deste casamento. "Se as pessoas se amam, então não importa se são da família real ou pessoas comuns", diz a advogada Walters. "É amor que importa."