O que foi o escândalo Irão-Contras, a que o novo presidente da NRA está associado?

O poderoso lobby das armas anunciou que Oliver North é o seu novo presidente. Está ligado a um negócio de armas ilegal.

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Oliver North no Congresso (imagem da televisão pública americana CSPAN)

O depoimento explosivo que era ansiosamente aguardado surgiu no pico do Verão, no meio de um bafo de 32 graus em Washington.

Os canais de televisão dos Estados Unidos mudaram os tradicionais alinhamentos para passá-lo em directo; equipas de televisão afluíram à terra natal da testemunha, um funcionário de topo da segurança nacional; pessoas de todo o país amontoaram-se junto das televisões mais próximas, movidas, talvez, pelas graves questões que pairavam sobre o escândalo, que originou comparações com Watergate.

Estaria o Presidente acima da lei? O que aprovou e quando? E emergiria alguma prova de má-conduta, que permitiria aos Democratas e seus aliados reunir os votos para a destituição do Presidente?

Estávamos em 1987.

Ronald Reagan era o Presidente e Oliver North, um membro do Conselho de Segurança Nacional, tomava o palco num inquérito parlamentar sobre o escândalo Irão-Contras, um plano secreto multifacetado, em que os lucros da venda de armas para o Irão eram canalizados, por baixo da mesa, para rebeldes de direita na Nicarágua, que lutavam contra o Governo socialista no país. Um dos maiores escândalos políticos do seu tempo – e um que lançava um manto negativo sobre a Administração Reagan – o esquema implicava violações substanciais à lei e à política norte-americanas.

As notícias que davam conta, nesta segunda-feira à noite, que North, o antigo tenente-coronel dos Marine Corps, vai assumir o cargo de presidente da Associação Nacional de Armas (NRA) originou uma cascada de comentários e de golpes violentos de vários comentadores à esquerda.

North, um fiel conservador que renasceu enquanto comentador na Fox News, é talvez mais conhecido pelo seu papel de destaque em acordos de armas ilícitos. Foi demitido do seu posto no Conselho de Segurança Nacional por Reagan, pouco depois do escândalo ter saltado para a opinião pública, em 1986, e começado a ganhar dimensão. Uma emenda aprovada pelo Congresso no princípio da década proibira a utilização de fundos governamentais no apoio militar aos Contras.

North, que ajudou a executar os planos, era a mais aguardada testemunha chamada ao Capitólio para ser ouvida numa audição parlamentar de inquérito sobre o caso.

Dezenas de milhões de pessoas sintonizaram-se para seguir o processo, um acontecimento noticioso a nível nacional que ocupou a primeira página do Washington Post durante dias, e cujas caracteristicas de drama teatral – o Post chamou-a de “Olliemania” – também lhe deram uma cobertura mais leve na secção de moda do jornal.

“O longo espectáculo provou, uma vez mais, que Washington ainda consegue superar Hollywood na produção de sucessos de bilheteira dramáticos e altamente rentáveis” noticiou o Post.

Os jornalistas falaram com pessoas de todo o país que ouviram a audição de North: num avião, onde os passageiros pediram às comissárias de bordo para a sintonizar; numa estação de rádio liberal em North Hollywood; num bar em Cape Cod. Uma outra notícia do Post relatava que um banqueiro de investimentos ouviu a audição numa televisão portátil, no metropolitano de Washington D.C.

“Desde que o conselheiro da Casa Branca John W. Dean III testemunhou nas audições do Watergate, há 13 anos, que não se via tanta gente a dar-se a tanto trabalho para assistir a um depoimento”, escreveu o jornalista T.R. Reid. “Aqueles que não estavam interessados no testemunho de North tiveram uma trabalheira semelhante para o evitar”.

Vestido com o uniforme verde dos Marine, adornado com seis fileiras de fitas e, pelo menos em alguns dias, usando uns óculos ligeiramente tingidos, North, na altura com 43 anos, fascinou a audiência com o seu depoimento, com o qual lhe foi oferecida imunidade. As audições estenderam-se por seis dias.

“Vim aqui para vos contar a verdade, a feia, a má e a desagradável verdade”, disse na abertura das sessões, no dia 7 de Julho de 1987. “E estou aqui para assumir as responsabilidades pelo que fiz. Não aceitarei responsabilidade pelo que não fiz”.

North admitiu ter destruído documentos-chave sobre as iniciativas, mas disse que só o fez porque os seus superiores assim o quiseram, e revelou que o director da CIA, William Casey, estava a par de algumas das suas actividades. E "admitiu abertamente que mentiu a funcionários da Administração Reagan; enganou o Congresso e o público; falsificou e destruiu documentos oficiais, tudo dentro de um plano preconcebido de encobrimento que tinha o objectivo de proteger os seus superiores e, especificamente, o Presidente. Também acusou funcionários mais elevados na hierarquia com repetidas declarações de que todas as suas acções foram aprovadas por uma autoridade superior”, noticiou o Post.

Mas embora North tenha dito que achava que Reagan o tinha encarregado de manter unido “o corpo e a alma” dos Contras, não prestou qualquer prova de que o Presidente tinha dado autorização expressa ou que fora informado dos detalhes do plano.

“Ao longo de todo o período em que estive no Conselho de Segurança Nacional, assumi que o Presidente tinha conhecimento do que eu andava a fazer e que, através dos meus superiores, o tinha aprovado”, testemunhou North. “Do que me recordo, o Almirante Poindexter nunca me disse que se encontrou com o Presidente para falar sobre a utilização dos remanescentes das vendas ao Irão no apoio à resistência nicaraguense. Ou que discutiu com o Presidente a utilização dos lucros pelos Contras. Ou que teve a aprovação específica do Presidente. E também não me disse que o Presidente aprovou tais transacções. Mas, uma vez mais, gostaria de reiterar que ainda assim acreditei que o Presidente tinha mesmo autorizado tais actividades”.

Depois de ter sido despedido, Reagan chamou-o e disse-lhe que “simplesmente não sabia”, contou North.

As palavras de North tiveram eco. Uma sondagem da ABC News, citada na altura pelo Washington Post, revelou que 92% do público considerou que North esteve bem ao defender as suas acções; e 64% olhou para ele como uma vítima do escândalo e não como um vilão.

North argumentou que tinha mentido para salvar vidas no caso de as operações, que eram secretas, serem reveladas, e descreveu-se como “um subordinado leal que seguiu o que acreditou serem instruções legítimas dos seus superiores”, escreveu o Post.

“Na verdade, dia após dia, o tenente-coronel Oliver North recolheu um apoio crescente e fortemente emocional junto de muitos norte-americanos, ao projectar-se inteligentemente como um marine corajoso, apaixonado pela América, que pôs o interesse da nação acima da sua própria família”, escreveu a colunista do Post Dorothy Butler Gilliam.

Oliver North acabou por ser responsabilizado em 1989 por obstrução, destruição de documentos e por receber gratificações ilegais, mas a condenação foi mais tarde retirada por complicações provenientes da imunidade que lhe foi oferecida para testemunhar. Confrontados com um recurso de North, os procuradores chegaram à conclusão que nunca conseguiriam provar que todas as testemunhas envolvidas no processo não tinham sido condicionadas pelo depoimento televisivo de 1987.

“Quando ensino o caso Irão-Contras e Oliver North aos alunos de primeiro ano de Relações Internacionais, eles olham para mim com total descrença”, escreveu no Twitter a cientista política do Colby College, Laura Seay. “Literalmente não acreditam que uma história tão maluca possa ser verdade. Na vida real. Sob a liderança de Reagan”.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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