"Olá, boa tarde, como estás? Obrigado por teres vindo! Estava difícil conseguirmos combinar uma data que desse para os dois, mas lá acabou por acontecer. Então, o que tens feito? Ah, boa, boa, isso é bom! Olha, pedi para te encontrares comigo porque gostava de te propor um desafio. Acho que é a tua cara, mas há um senão... é que não tenho dinheiro para te pagar."
Por estes dias, e pelos que já passaram, durante os últimos anos, esta conversa aconteceu demasiadas vezes com muitos jovens portugueses. Desconhecem-se estatísticas ou dados académicos que o comprovem, mas atrevo-me a dizer que uma simples conversa com amigos ou familiares sobre o assunto vai dar, muito rapidamente, a uma afirmação do género: "Conheço uma pessoa que passou por isso." Porque todos já passámos ou, peço desculpa pelo atrevimento, vamos passar por situações dessas. Ninguém está a salvo.
Acontece aos tipos que conseguem escrever cinco linhas sem muitos erros. "Tenho de apresentar uma ideia a um possível patrocinador, mas não sou muito bom com a escrita, achas que me consegues safar isso? Não tenho é verba para te pagar." Acontece a quem consegue gravar imagens, em vídeo, sem tremer. "Preciso de um spot catita para promover a minha empresa e queria saber se me consegues fazer isso. Tinha era de ser pro bono." Acontece a quem tem uma carinha laroca e ganha a vida a vestir e a despir roupas. "Amiga, preciso dos teus dotes de modelo para o catálogo da minha marca. Eu trato de tudo, não tenho é qualquer quantia para te pagar." Depois, acontece aos profissionais que têm de pentear e maquilhar a modelo, que a vão fotografar, àqueles que emprestaram a roupa, que cederam o espaço e, com sorte, há de acontecer, também, a quem terá de varrer o chão, no final do dia. Obrigadinho, uma palmadinha nas costas e já gozas.
Basta olharmos à volta para percebermos que esta é a realidade com que muitos jovens portugueses têm sido confrontados. Ocorre em diferentes áreas, com maior predominância nas ciências sociais e nas artes. E nós aceitamos. Porque queremos mostrar serviço; porque queremos dizer que fizemos; porque ansiamos preencher o tempo e o feed das redes sociais; porque, de outra maneira, nunca vamos realizar sonhos; porque já interiorizámos que é como tudo acontece. "É preciso esforço e dedicação", dizem os pais, pacientes, e os avós, crentes.
A falta de dinheiro como desculpa está espalhada por todo o lado. Nos estágios, trabalham-se meses sem qualquer recompensa. Nos primeiros empregos, dá-se o litro, por uns míseros euros. Nos projectos paralelos, aceita-se tudo porque sim. E lá vai a valorização pessoal, e a auto-estima, e a independência, e as contas pagas. Não há verba. Não há euros, nem dólares, nem reais ou kwanzas. É lixado que, independentemente de tudo, tenha de se pagar a luz, a água, o gás, a renda e umas latas de atum, só para não ocorrer uma morte precoce.
Não está mal uma actriz entrar numa peça de teatro e ganhar à bilheteira, sem qualquer ajuda de custo. Mal até está, mas ela aceitou participar nessas condições. Se calhar, o trabalho que tem, mas não a satisfaz, com tarefas muito distantes do meio artístico, paga-lhe as contas, pelo que ela se dedica ao teatro pelo amor à camisola, ou às tábuas, vá. O que está mal é todos os convites que recebe serem sob a premissa da falta de liquidez. Tal como todos os jovens em todas as outras áreas em que isto acontece. É real e assusta. É dramático e preocupa. Seria preciso fazer algo, mas já se sabe: não há dinheiro.