Parlamento trava revolução e mergulha o país na incerteza

Força maioritária no Parlamento chumbou nomeação do líder da oposição para primeiro-ministro. “Declararam guerra à população”, acusa Pashinyan.

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Milhares de arménios juntaram-se em Ierevan GLEB GARANICH / Reuters
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Protestos duram há quase três semanas GLEB GARANICH / Reuters
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Nikol Pashinyan, líder da oposição GLEB GARANICH / Reuters
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Manifestantes pedem mudança de rumo GLEB GARANICH / Reuters

Horas antes da sessão extraordinária no Parlamento da Arménia e com a perspectiva de poder vir a ser designado  primeiro-ministro interino, o líder da oposição, Nikol Pashinyan, deixou um aviso ao partido maioritário: ou o escolhiam para chefe do Governo ou deviam preparar-se para um “tsunami político”. 

Com milhares de manifestantes reunidos à porta da Assembleia Nacional, movidos por um entusiasmo palpável favorável a uma mudança de rumo e pelos apelos de Pashinyan à “inundação das ruas e das praças da capital e das outras cidades da república”, o Partido Republicano (HHK) acabou por rejeitar ceder o poder à oposição, precipitando a Arménia para um futuro incerto.

Na votação realizada esta terça-feira na Assembleia Nacional, Pashinyan era o único nome em cima da mesa para suceder a Serzh Sarkisian – o ex-Presidente que se quis manter no poder na pele de primeiro-ministro e que foi obrigado a afastar-se pelo ruído dos protestos. Mas o partido que domina a arena política arménia desde o final dos anos 1990 não permitiu ao ex-jornalista reunir os apoios suficientes para poder ser eleito – ficou a oito votos da meta.

Com este chumbo, agudiza-se uma crise política sem precedentes na Arménia, que promete manter o país em ebulição, quase três semanas depois do início de uma onda quase diária de manifestações. Até porque o candidato derrotado, recebido em êxtase pelos manifestantes pouco depois da votação, não se dá por vencido e já apelou a uma desobediência civil generalizada e ao bloqueio de estradas, caminhos-de-ferro e aeroportos. “Declararam guerra à população”, rematou Pashinyan, ainda no Parlamento.

Origem da crise

A Arménia vive dias de enorme tensão e tem sido palco de protestos desde meados do mês passado. Na origem das manifestações do Cáucaso está a nomeação de Sarkisian como primeiro-ministro a poucos dias de deixar a presidência, por ter atingido o limite de mandatos.

A passagem de uma pasta para a outra caiu mal entre a oposição, principalmente porque contrariou uma promessa feita pelo próprio Sarkisian em 2015. Nesse ano foi aprovada em referendo uma alteração à Constituição que transformou o sistema presidencial arménio num sistema parlamentar, oferecendo ao primeiro-ministro mais poderes e retirando-os do Presidente. O gesto foi entendido por Pashinyan como uma tentativa de Sarkisian se manter no poder – presidia à Arménia desde 2008 –, mas o próprio garantiu que não aspirava à chefia do Governo.

A nomeação de Sarkisian como novo primeiro-ministro na Assembleia Nacional, controlada pelo HHK, deixou as ruas da capital, Ierevan, e de outras cidades da Arménia em alvoroço e precipitou o seu afastamento do cargo ao fim de uma semana. “O movimento nas ruas está contra o meu mandato. Estou a cumprir o que pedem”, justificou.

Opositor carismático

No meio dos protestos populares das últimas semanas destacou-se a figura de Pashinyan, um opositor da elite arménia que governa o país desde o desmoronamento da União Soviética e uma das figuras mais carismáticas da oposição ao HHK no Parlamento.

Exibindo o seu tradicional traje revolucionário – camisa ou T-shirt caqui e boné –, o antigo jornalista que se evidenciou por denunciar práticas de corrupção no Governo e que esteve preso pelo envolvimento nos protestos violentos de 2008, tomou por diversas vezes o palco, bradando contra os ex-Presidentes Sarkisian e Robert Kocharyan, e contra a corrupção, a pobreza e o nepotismo que diz terem tomado contra do país desde o início dos anos 1990.

Eleito pela primeira vez para a Assembleia Nacional em 2012 e reconduzido ao cargo nas legislativas do ano passado, Pashinyan descreve o período actual como um “ponto de viragem” para a Arménia. Esta ideia foi abraçada genuinamente pelos manifestantes que dia após dia protestaram contra Sarkisian, juntaram-se em frente às instituições de poder, bloquearam estradas e ruas das cidades e acabaram por reconhecer no líder da oposição o papel de candidato legítimo ao cargo de primeiro-ministro.

A onda positiva em volta de Pashinyan atingiu proporções tais, que houve mesmo quem começasse a compará-la com a Revolução Rosa (Geórgia, 2003) ou a Revolução Laranja (Ucrânia, 2004). A diferença? A efervescência arménia conta com a anuência tácita de Moscovo, a quem o próprio Pashinyan já jurou fidelidade.

“Esta não é uma revolução colorida. Toda a gente compreende que as raízes da crise na Arménia são internas, a contrário de casos anteriores no espaço pós-soviético, onde a presença internacional era bastante clara”, explica à BBC Fiodor Lukianov, editor do Russia in Global Affairs.

Com a Rússia distante, mas atenta ao que se passa em Ierevan, os próximos dias tratarão de demonstrar se a votação desta terça-feira na Assembleia Nacional foi um mero travão ou, por outro lado, um prego no caixão da revolução popular arménia.

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