Consórcio de cientistas quer sequenciar o ADN de todos os eucariotas

Projecto vai durar dez anos e custar cerca de 3800 milhões de euros. Tudo para se descobrir mais pormenores sobre a vida na Terra.

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Projecto quer sequenciar o genoma de 1,5 milhões de espécies eucariotas já conhecidas Mirhee Lee

A vida no nosso planeta ainda tem muitos mistérios. E os cientistas continuam empenhados em descobri-los. Um consórcio internacional de investigadores apresentou na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) uma das “propostas mais ambiciosas na história da biologia”: quer sequenciar, catalogar e analisar os genomas de todas as espécies de eucariotas que se conhecem no planeta. Chama-se Projecto do Biogenoma da Terra, vai durar dez anos e custar cerca de 3800 milhões de euros.

O projecto foi mencionado pela primeira vez em 2015 em dois encontros científicos e influenciado pelo Projecto do Genoma Humano, em que se sequenciou todo o genoma humano. Lançado em 1990 e concluído em 2003, esse projecto foi considerado um enorme contributo não só para a medicina humana mas também para a medicina veterinária, a biociência agrícola, a biotecnologia, as ciências ambientais ou para as ciências forenses. Outra iniciativa semelhante é o Projecto de Microbioma da Terra, que tem descodificado o genoma das bactérias e dos arquea (domínio dos seres vivos com semelhanças às bactérias).

Voltando aos encontros científicos de 2015: decidiu-se aí que teria de ser criado um projecto ambicioso em que se descodificaria todos os genomas da vida complexa do planeta. Aqui está ele, o Projecto do Biogenoma da Terra.

O grande objectivo desta iniciativa é a compreensão da evolução e da organização da vida no nosso planeta através da sequenciação do genoma de 1,5 milhões de espécies eucariotas já conhecidas. Este grupo de seres vivos inclui todas as plantas, animais, fungos e outros organismos cujas células tenham um núcleo com ADN. Até agora, só foram descodificados menos de 0,2% de genomas de eucariotas. Os cientistas querem ainda desvendar algumas das cerca de 15 milhões de espécies eucariotas por agora desconhecidas mas que se pensa que existem, como micróbios, insectos e pequenos animais nos oceanos.

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O entomólogo Gene Robinson Brian Stauffer

Estima-se que o projecto dure dez anos e custe 3800 milhões de euros (4700 milhões de dólares). O investimento no Projecto do Genoma Humano foi de cerca de 2400 milhões de euros (3000 milhões de dólares). Algo que torna o novo projecto possível são os avanços na tecnologia e a diminuição do preço da sequenciação dos genomas. Por exemplo, uma primeira versão da sequenciação de um genoma de um vertebrado de tamanho médio é cerca de 819 euros (mil dólares). E o valor deve continuar a diminuir.

“Pela primeira vez na história, é possível sequenciar eficientemente o genoma de todas as espécies e usar a genómica para ajudar a descobrir as restantes 80% a 90% de espécies que, de momento, estão escondidas da ciência”, escrevem os autores no artigo científico.

Também se estima que seja necessário cerca de um exabyte (mil milhões de gigabytes) de armazenamento digital para todo o trabalho.

Ao todo, são 24 os cientistas de vários países que assinam esta segunda-feira o artigo na PNAS sobre o projecto, liderado por três cientistas norte-americanos e que estão assim a reunir esforços: Harris Lewin (da Universidade da Califórnia), Gene Robinson (da Universidade do Illinois) e John Kress (do Instituto Smithsonian). Mas os cientistas referem que o Projecto do Biogenoma da Terra será desenvolvido por uma “rede global de comunidades” com investigadores de África, Austrália, Brasil, Canadá, China e União Europeia, além dos Estados Unidos.

Haverá ainda parcerias com projectos de grande escala como a Rede Global de Biodiversidade do Genoma e a Aliança Global de Genomas dos Invertebrados. Também já tinha sido criado um projecto-piloto em conjunto com o Fórum Económico Mundial e o Banco de Códigos da Amazónia (plataforma digital com a sequenciação da biodiversidade da Amazónia), para partilha dos recursos genéticos conforme definido na Convenção sobre Diversidade Biológica – que tem o objectivo de proteger a biodiversidade de cada país.   

Gene Robinson adianta ao PÚBLICO que o Projecto do Biogenoma da Terra tem algum financiamento de agências federais norte-americanas e de fundações privadas e que já há projectos a decorrer sob a alçada do Projecto do Biogenoma da Terra. Mas ainda aguardam mais financiamentos de agências e fundações de todo mundo. E há cientistas portugueses na equipa? “Por enquanto não, mas esperemos que haja. Há muitos cientistas de excelência em Portugal que poderiam dar um bom contributo para o projecto”, responde.

Compreender a majestosidade da vida

“O Projecto do Biogenoma da Terra irá dar-nos a conhecer a história e a diversidade da vida e ajudar-nos a compreender melhor como conservá-la”, considera o entomólogo Gene Robinson num comunicado da Universidade do Illinois. Os cientistas querem então criar ferramentas para conservar espécies e ecossistemas em perigo, sobretudo aqueles que estão mais sujeitos às alterações climáticas. 

E Harris Lewin acrescenta num comunicado da Universidade da Califórnia: “Acreditamos que até ao final do século mais de metade de todas as espécies irá desaparecer da face da Terra. Isso traz consequências para a vida humana que são desconhecidas mas potencialmente catastróficas.” Este projecto pode ser assim essencial, por exemplo, para desenvolver novos medicamentos para doenças infecciosas e hereditárias.

Planeia-se ainda a participação de todos os cidadãos neste projecto. Tudo o que terão de fazer é recolher exemplares de espécies. Provavelmente, o projecto irá ter novas tecnologias em campo, como sequenciadores genéticos portáteis e drones que identificarão amostras no campo ou poderão trazê-las para o laboratório.

Quanto aos dados finais, espera-se que sejam disponibilizados gratuitamente a toda a comunidade científica. “O grande legado do Projecto do Biogenoma da Terra irá ser uma biblioteca digital da vida que nos conduzirá a futuras descobertas ao longo de gerações”, destaca Gene Robinson. Afinal, como os investigadores escrevem logo no início do artigo, tendo como referência o livro A Diversidade da Vida de Edward O. Wilson: “Estamos apenas a começar a compreender toda a majestosidade da vida na Terra.”

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