Obrigado pelas citações, F.F., mas eu tenho melhores
A alta hierarquia da Global Media está transformada no Clube dos Jornalistas Que Um Dia Amaram José Sócrates.
Quero agradecer a Ferreira Fernandes (F.F.) por ter tido a amabilidade de me dedicar o primeiro editorial como director do Diário de Notícias. Eu não merecia tanto. Infelizmente, talvez por estar destreinado, F.F. não diz uma só palavra sobre o argumento central do meu texto – o facto de a alta hierarquia da Global Media estar transformada no Clube dos Jornalistas Que Um Dia Amaram José Sócrates – e dedica-se apenas a tentar desmontar uma das frases que escrevi, a saber: “Ferreira Fernandes continuou a defender Sócrates já depois da prisão – até que se calou, e não mais se lhe ouviu um pio sobre o tema.”
A sua desmontagem tem graça porque confirma que Ferreira Fernandes continuou a defender Sócrates já depois da prisão – cita quatro artigos –, até que se calou, e não mais se lhe ouviu um pio sobre o tema – as citações terminam em Dezembro de 2015, ou seja, há dois anos e meio. Os fãs de F.F. dirão: “Está ali provadíssimo que F.F. criticou Sócrates!” Criticou mesmo? Sim, se considerarmos como crítica a aplicação da batida fórmula Sócrates-esteve-mal-mas-a-Justiça-esteve-péssima. Ferreira Fernandes pode ter muitos defeitos, mas não é parvo. “Defender José Sócrates” a partir de Novembro de 2014 nunca consistiu em clamar pela sua inocência, até porque no momento em que o próprio admitiu receber dinheiro de Carlos Santos Silva a sua posição passou a ser politicamente insustentável. Defendê-lo consistiu sempre, numa primeira fase, em misturar na Bimby as críticas à investigação com as críticas à acção de Sócrates, como se a gravidade das fugas ao segredo de justiça fosse comparável com as suspeitas em causa. E, numa segunda fase, após rebentar a bomba BES e sair a acusação, em resguardar-se num piedoso silêncio.
Este silêncio do DN era o ponto essencial do texto. Ferreira Fernandes escreveu que Sócrates é o meu “fundo de comércio”. Contudo, para além de desconfiar que dentro da Global Media não terei sido o mais remunerado por esse fundo, o meu problema em 2018 não é José Sócrates. O meu problema é o país e as pessoas que promoveram a sua ascensão e/ou que colaboraram activamente para que ele se mantivesse no poder. Entre essas pessoas está Ferreira Fernandes. Só uma citação para troca: em Setembro de 2009, 15 dias antes da mais triste eleição da nossa democracia, ele escreveu: “O jornal i fez o levantamento de algumas das exportações portuguesas durante o Governo de José Sócrates. Fez o levantamento, sim: aqueles negócios levantaram voo. Com a Venezuela (em quatro anos, quintuplicaram), Angola (triplicaram), Argélia (quadruplicaram), Rússia (triplicaram), Líbia e China (em ambas, quase duplicaram) e Jordânia (quase triplicaram)... (…) Eis, pois, um balanço extraordinário – mas que merecia discussão. (…) Gostaria que na campanha se discutisse política. E não hipóteses de primos, hipóteses de asfixias e tricas sobre carros oficiais.”
Este foi o seu tom desde 2005. Claro que toda a gente se engana. Eu considero necessário ser muito vesgo para estar enganado sobre Sócrates em 2009. Mas é possível. Só que quando um colunista se engana não fica caladinho ao ler a acusação a Sócrates. Diz coisas. Avalia velhos textos. Pede desculpa por defesas passadas. E não se refugia na presunção de inocência após ouvir as conversas com Santos Silva. Até hoje, a única colunista que admitiu que se enganou sobre Sócrates – justiça lhe seja feita – foi Clara Ferreira Alves. Ela merece o meu respeito. Todos os outros, não.