Pedro Rodrigues: “Seria bizarro se o PSD viabilizasse o Orçamento”
Apoiante de Rui Rio nas directas – realizadas faz 100 dias neste domingo – o antigo dirigente máximo da JSD desafia o líder do partido a não ir atrás dos temas do PS e do Governo. Pedro Rodrigues, fundador do movimento de reflexão social-democrata Portugal não Pode Esperar, apela a que Rio aproveite para modernizar o partido.
Depois de um primeiro livro de reflexão, o movimento Portugal Não Pode Esperar prepara um segundo sobre como é que Portugal se pode transformar num hub de inovação na Europa. Pedro Rodrigues defende que o líder do PSD deve trazer outros temas para a agenda e liderar o debate. Ir atrás do PS permite ao CDS "crescer".
Foi apoiante de Rui Rio nas directas, imagino que com expectativas altas. Sente-se defraudado?
O dr. Rui Rio introduziu no sistema político e no PSD e uma certa normalização de posicionamento do PSD no quadro político português. Depois de ter ganho as eleições e não ter alcançado a maioria para formar Governo, o PSD esteve bloqueado, sem capacidade de fazer crescer a sua base de apoio, como se viu nas eleições autárquicas, nem de se reinventar em termos de intervenção política e exploração de temas, e sem capacidade de se renovar e de se mobilizar. De certa forma, Rui Rio está a fazer o que prometeu na campanha e, desse ponto de vista estrutural, está bem. O que eu julgo que faria sentido era definir os temas dos acordos de regime segundo o interesse nacional. Devem ser os temas que interessam aos cidadãos, e não os que interessam ao PS e ao Governo.
Os temas que deveriam ser alvo de acordo não são estes?
A descentralização administrativa e os fundos comunitários são, sem dúvida, temas importantes para o país. Mas o país continua a ser governado em gestão corrente, como se não estivéssemos a viver uma revolução tecnológica. Aí o PSD tem de ser absolutamente radical quanto à forma como recoloca os grandes temas em discussão. Tem de convocar o PS e o Governo para esse debate sobre o financiamento da saúde, não pode ser visto centrado na análise da produção hospitalar mas sim no acréscimo de qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, com as novas tecnologias.
O PSD tem de liderar esses debates, Rui Rio não pode ter horror da política, não pode ter medo de ser arrojado, de sair da sua zona de conforto e de agarrar os novos temas. Rui Rio e o PSD têm a responsabilidade de liderar esse debate. Se me pergunta se tem condições para isso, não tenho qualquer dúvida. Se me pergunta se tem margem para isso, não tenho qualquer dúvida. Se o vai fazer, depende dele. Vamos ver.
O Conselho Estratégico é um meio que faz sentido?
A ideia é boa, agora o Conselho Estratégico Nacional não pode funcionar com as lógicas dos anos 90. No movimento que tenho o privilégio de liderar funcionamos numa lógica totalmente horizontal, em rede, em plataformas web. É evidente que a estrutura territorial é muitíssimo importante para um partido como o PSD, mas hoje o país não se organiza em concelhias e distritais. Hoje, as discussões têm-se na Internet, em redes, em debates que extravasam o mundo das sedes dos partidos. Como é que a ideia será operacionalizada? Vamos ver, mas espero que Rui Rio coloque um tom de modernidade no modo como o PSD vai funcionar este Conselho Estratégico. Pode ser uma oportunidade, espero que não seja uma oportunidade desperdiçada. O PSD também tem uma oportunidade de se modernizar com a revisão estatutária.
Na sua proposta estava previsto o voto electrónico interno…
A nossa proposta é uma oportunidade para o partido. Aquilo que se propõe é fazer o que se faz em todas as relações profissionais, académicas, com o banco, com o Estado, com o SNS, com a administração tributária, com as escolas, que é a relação electrónica. Só a relação institucional no voto em Portugal é que continua a ser feita de acordo com as regras do antigamente. O PSD tem oportunidade de ser vanguardista através da introdução do voto electrónico, da introdução de mecanismos que permitam um diálogo permanente com os seus militantes, mas também com os cidadãos, permitir que os cidadãos, os que acreditarem no PSD, possam ter um papel activo nas definição das políticas do partido, na escolha de candidatos, não só a líder, mas dos candidatos a deputados e às câmaras municipais.
Um dos argumentos de Rio para criar o Conselho Estratégico, sobretudo nas estruturas locais, é que isso vai permitir trazer pessoas para o partido. Acredita que isso é possível com esse modelo?
Não tenho dúvida de que a intenção de Rui Rio é abrir o partido à sociedade. O PSD tem de dar o salto para as novas tecnologias. Dou um exemplo: no nosso movimento estamos a começar as discussões para um segundo livro e todo o nosso trabalho vai assentar numa plataforma colaborativa na Internet.
O que acha do perfil do Governo-sombra? Os críticos dizem que há falta de renovação nos nomeados.
Estou convencido de que os partidos se constroem no convívio entre gerações, com a experiência dos mais velhos e a intensidade dos mais jovens. É pouco relevante quem faz parte do Conselho Estratégico, o importante é o PSD assumir-se como uma lufada de ar fresco na política portuguesa. Esse é um desafio que Rio tem nos próximos anos. O PSD tem de olhar para os novos temas: as alterações climáticas, as consequências das alterações demográficas, o envelhecimento acentuado da população, perceber como é que somos capazes de atrair novos talentos para Portugal. Como é que podemos deixar de ser um país que organiza a Websummit, com muito orgulho, quando o que quer ser é um centro de inovação e excelência que possa exportar para todo o mundo.
Acha que ele pode ter ganhos políticos como líder do PSD ao fazer estes acordos com o Governo?
Disso não tenho qualquer dúvida. Estou estruturalmente de acordo com a linha de pôr o interesse nacional acima do PSD, na linha de tradição do PSD, com o objectivo de que o país cresça e que a qualidade de vida dos cidadãos prospere. O PSD não pode fazer uma política do "bota-abaixismo", o PSD tem de ser capaz de encontrar, no quadro institucional e parlamentar, compromissos que contribuam para esses objectivos. E acho que Rui Rio tem estado bem e que o país vai estar de acordo com a estratégia que o PSD tem vindo a seguir. Agora, tenho dúvidas de que estes sejam os temas que mais interessam a Portugal e aos portugueses e tenho dúvidas de que o PSD não deva trazer outros.
Estes acordos do PSD com o Governo podem dar margem ao CDS para crescer?
Depende muito da forma como o PSD se comportar sobre esses acordos de regime. Se o PSD for atrás do que o PS e o Governo querem fazer, não tenho dúvidas de que o CDS pode crescer. Se o PSD for capaz não só de negociar os temas que o PS e o Governo quer ver negociados mas trazer uma agenda reformista, de ruptura não tenho dúvida de que o CDS pode estar em apuros nas próximas eleições.
Esta forma de fazer oposição de Rio não é uma forma reactiva, como é a da líder do CDS…
Isso acho bem. Ser uma oposição reactiva, no longo prazo, não é o caminho certo. Outra coisa é ter iniciativa. A única forma de o PSD evitar o crescimento do CDS – e por isso o resultado das autárquicas em Lisboa foi altamente preocupante, não podemos ignorar essa circunstância – é não deixar de ter uma agenda muito clara. O CDS cresceu nas últimas eleições autárquicas no eleitorado mais urbano, mais inovador e menos fiel no voto. A intervenção do líder do PSD não pode deixar de ser acompanhado por uma agenda liderante por parte de outras estruturas do partido, como em Lisboa. O PSD, num centro urbano como Lisboa, com um eleitorado muito exigente e muito volátil, não pode esquecer os temas da mobilidade, da qualidade de vida.
O PSD em Lisboa tem estado apagado?
Seguramente. O PSD em Lisboa tem estado seguramente eclipsado.
Nestes dois primeiros dois meses tem havido muito ruído interno no PSD. Isso não o preocupa?
A mim preocupa-me que o PSD conquiste uma agenda liderante…
Isso faz-se com paz interna.
Com certeza. O PSD é um partido muito exigente e a riqueza do PSD é a sua capacidade de viver no pluralismo e na diversidade. Quem lidera o PSD tem naturalmente de estar consciente desse pluralismo e dessa vitalidade interna, e até da complexidade em alguns momentos, tem de ser capaz de retirar desse pluralismo uma capacidade de afirmação social. Esse é o ADN do PSD, sempre assim foi. Não vejo que seja uma desvantagem nem para este líder nem para o PSD. Eu não me impressiono com ruído interno. Fui líder da JSD durante quatro anos e convivi com quatro líderes do partido. Não creio que Rui Rio deva estar preocupado com esse ruído interno, faz parte da vivência do PSD.
Na discussão em torno do Programa de Estabilidade, o PSD deveria diferenciar-se mais da estratégia do Governo?
Eu julgo é que o Governo tem um problema para resolver com as outras duas partes da "geringonça", com o tripé, que está um pouco coxo nesta discussão. O PSD tem é de estar atento e tem de estar preparado para uma eventual crise política artificial que possa ser criada pela "geringonça" para permitir ir para eleições. E não se pode deixar iludir com este ruído aparente que é gerado entre o BE, o PCP e o PS.
Se um dos parceiros do Governo falhar no Orçamento de Estado para 2019, o PSD devia viabilizar o Orçamento?
O PSD não devia, por princípio, pronunciar-se sobre um Orçamento de Estado sem o conhecer. Mas seria extraordinariamente bizarro se o PSD viabilizasse um Orçamento a meia dúzia de meses das eleições e, ainda por cima, numa situação para resolver uma crise política que o próprio Governo criou. No fim da legislatura não é o PSD que deve resolver os problemas, é a "geringonça" que tem de dizer ao que vem.
O que espera de Rio nas próximas legislativas: que ganhe as eleições ou só que tire a maioria ao PS?
Qualquer líder do PSD tem sempre a responsabilidade de ganhar eleições e não pode ser outra a expectativa de qualquer militante do PSD.
Mas se não ganhar, tem condições para continuar, como parece ser a tese desta direcção?
Essa discussão é extemporânea.