The Literary Man
A maior biblioteca hoteleira do mundo
Há hotéis com bibliotecas e bibliotecas que são hotéis. No The Literary Man, os livros multiplicam-se em estantes até ao tecto para formar as paredes do bar de gin, do restaurante, da sala de reuniões, de cada corredor. No quarto, mais livros sobre o móvel, em cima da mesa, no rebordo da cama, em páginas soltas num quadro. Sente-se o abraço da literatura em cada recanto — e para quem gosta do objecto-livro, o efeito é reconfortante. Torna-se poético e acolhedor, mas arejado por uma decoração contemporânea e minimalista que deixa o conceito respirar.
No final de 2015, a antiga Estalagem do Convento, junto à muralha de Óbidos, transformou-se no “maior hotel literário do mundo”, com mais de 65 mil livros expostos, desde clássicos a velhas colecções da Penguin Random House, de inúmeros bestsellers a um nicho infantil. “Só fizemos uma aquisição grande inicial”, recorda o proprietário, Telmo Faria. Desde então, as prateleiras vão-se compondo com exemplares vindos “do mundo inteiro”. “Ainda na semana passada, recebemos uma dúzia de livros de Israel, doados por um hóspede que tinha cá estado no ano passado.”
O objectivo, no entanto, é que o hotel “pareça uma biblioteca” sem o ser. Ou, pelo menos, que os hóspedes não sintam a formalidade “autoritária” das bibliotecas clássicas, em que cada obra “tem um lugar marcado e vive ali o resto da vida”. Há liberdade para mexer, desorganizar, levar para o quarto, deixar em cima da mesa do restaurante ou junto à lareira. Só não é permitido estragar. O respeito pelos livros é “sagrado”.
Rio do Prado
O romantismo do campo
No primeiro hotel de Telmo Faria, contudo, a biblioteca é um recanto recente na sala de estar do edifício principal e teve clara influência do irmão mais novo. “Não sendo o Rio do Prado um hotel essencialmente literário, a presença dos livros, que hoje está dentro [do conceito] da empresa, não se podia deixar de notar”, admite o responsável. Cerca de cinco mil livros compõem a parede-biblioteca, mais uns tantos expostos num nicho do restaurante. Mas aqui a inspiração é outra. E é preciso tirar os olhos das páginas e sair lá fora para encontrá-la.
Enquadrado no ecossistema da lagoa de Óbidos (à distância de um curto passeio de bicicleta, disponível gratuitamente no hotel), o Rio do Prado é todo natureza. Durante 12 anos, Telmo Faria foi presidente da autarquia local, até deixar funções, em 2013. E o percurso político acabou por deixar marcas no futuro empresarial. Se no The Literary Man quis mostrar que a vila literária, conceito que ajudou a germinar, “não era apenas uma ideia”, no Rio do Prado construiu “quase como que um showroom para demonstrar que era possível” criar um projecto ligado à questão da sustentabilidade, inovador e rentável.
Por isso, os edifícios surgem camuflados na paisagem. Há um pomar e uma horta. Uma estufa onde sementes se fazem plantas e as alfaces crescem em canteiros nas mesas. E uma preocupação latente com a pegada ecológica, que se alastra ao conceito farm to table do restaurante ou à carpintaria que ergueram na propriedade para reutilizar restos de materiais de construção na produção da maioria dos móveis e dos elementos decorativos, feitos com design próprio. “O romantismo procurou a relação com a natureza como um expoente máximo. Nós agora no turismo estamos um bocado a copiar esse movimento literário do século XIX”, compara Telmo Faria. Para breve, está um novo projecto na vila de Óbidos: um restaurante onde a história (e os livros, claro) são a “personagem-conceito” que se segue.
Lov’in Book Guest House
A sedução do livro
Para Jacinto Gameiro, advogado e cronista com percurso pelo jornalismo e pela direcção de revistas, inspirar o novo projecto hoteleiro na literatura era um passo natural. “Gostamos muito de livros e já temos essa tradição”, revela ao falar do Casal da Eira Branca, conceito hoteleiro com unidades nas Caldas da Rainha e em Óbidos.
Os livros ocupam lugar cativo em todos os hotéis, tanto nas prateleiras como em diversas actividades. No último fim-de-semana, organizaram o evento “Abysmo nos arredores do imaginário – a literatura à mão de semear”, em diferentes espaços culturais das Caldas, em parceria com a editora Abysmo. Já receberam Mega Ferreira ou Sérgio Godinho nas sessões de “Pernoitar com livros”.
Na Lov’in Book Guest House, inaugurada há um ano na rua principal da vila muralhada, a inspiração desce do nome às estantes construídas em velhas malas de viagem e aos quatro quartos da casa. Junto a cada porta, um capítulo do livro As relações sexuais no casamento, de Lombard Kelly, assinala com erotismo o número de cada alojamento.