Patrícia de Melo Moreira vence Estação Imagem com um Verão Negro tragicamente português
Palmarés foi divulgado este sábado ao final da manhã, em Coimbra, cidade que pela primeira vez acolheu estes encontros de fotografia que já vão na nona edição. Melo Moreira esteve no meio dos incêndios do Verão passado e é a primeira mulher a levar para casa o grande prémio.
Patrícia de Melo Moreira, da Agência France-Presse (AFP), é a grande vencedora do prémio de fotojornalismo Estação Imagem, que ao fim da manhã deste sábado divulgou o seu palmarés em Coimbra, a terceira cidade que o acolhe (depois de Mora e de Viana do Castelo).
Moreira ganhou com o trabalho Verão Negro, sobre os incêndios que assolaram o país em 2017 e que tiveram as consequências trágicas que todos conhecemos, tornando-se a primeira mulher a receber o prémio principal deste encontro de fotografia, que é um dos mais importantes da Península Ibérica e que vai já na sua nona edição.
Verão Negro, lê-se no comunicado de imprensa que a organização fez chegar às redacções, concentra-se no desespero das populações, impotentes perante o avanço das chamas que em várias frentes, entre Junho e Outubro, haveriam de matar mais de 100 pessoas e consumir quase 450 mil hectares de floresta.
“Ainda faz diferença ser mulher quando se fala de fotojornalismo”, reconhece Patrícia de Melo Moreira, obviamente satisfeita com o prémio e com o facto de ele reconhecer o trabalho que nesta área é feito no feminino. “Foi preciso esperar quase dez anos, mas é importante. Há muitas mulheres a fazer o que eu faço e a ter de lidar, pelo caminho, com o estigma que diz que o fotojornalismo diário, aquele que nos leva para o meio dos acontecimentos, é demasiado perigoso, duro, que são muitas horas no terreno em condições às vezes extremas, desconfortáveis… É verdade que às vezes é muito difícil, mas é difícil para todos, não é só para as mulheres. Nós estamos preparadas para a guerra, para tudo.” E para o fogo, acrescenta, numa conversa com o PÚBLICO em que explica por que razão percebeu logo, ao chegar a Pedrógão, em Junho de 2017, que “aquele não era um cenário como os outros”.
As fotografias que fez, nesse e noutros incêndios do país, até Setembro (já não fotografou os de Outubro porque soube que estava grávida), são de uma “urgência” e de uma “intensidade” que o júri, encabeçado pelo espanhol Santiago Lyon, presidente do comité de avaliação do World Press Photo 2013 e antigo director de fotografia da agência de notícias norte-americana Associated Press, não podia ignorar.
“É verdade que vimos muitas fotografias dos incêndios de Portugal do ano passado, mas as da Patrícia eram muito imediatas, dramáticas, chegavam até nós muito depressa”, explicou ao PÚBLICO, justificando a decisão tomada por um colectivo de que faziam parte os fotojornalistas Sara Naomi Lewkowicz, norte-americana com dois World Press Photo (WPP) no currículo, Marco Longari, responsável de fotografia da AFP para o continente africano, e Tanya Habjouqa, fotógrafa jordana vencedora de um WPP. “Eram, além disso, muito bem compostas e até bonitas, se é que podemos usar esta palavra quando o cenário é aquele.”
A diversidade do portfólio que a repórter de 34 anos submeteu a concurso foi outro dos seus pontos fortes, acrescenta Santiago Lyon, elogiando o “nível muito alto” e a “riqueza de estilos e abordagens” dos trabalhos apresentados nesta edição.
Entre as fotografias que prefere está a que mostra uma mulher jovem que está junto a outras pessoas e a um carro de bombeiros, apontando para algo que fica fora do enquadramento. “Há nas pessoas que ela fotografa desânimo, desespero, mas também há força e resiliência.”
Uma imagem difícil de compreender
O prémio para a Fotografia do Ano, escolhida entre 137 submetidas a concurso, foi parar às mãos do galego Gabriel Tizon e diz respeito a outro flagelo – o dos refugiados. Na imagem a que o autor deu o título O frio dos refugiados vê-se um homem que personifica todos aqueles que, em condições absolutamente precárias, enfrentam temperaturas rigorosas na fronteira entre a Sérvia e a Croácia.
“É, por um lado, uma foto espectacular e, por outro, muito quieta, silenciosa”, diz o presidente do júri, admitindo que “não é uma imagem fácil de compreender”. É preciso olhar bem e até conhecer-lhe o contexto para a decifrar, acrescenta, mas feito isso ganha-se a “proximidade” essencial à empatia: “Eu olho para aquela fotografia e fico a pensar na crise dos refugiados, no que significa ser refugiado, no que seria estar ali naquelas condições quando estão zero graus ou menos.”
Além do grande prémio atribuído a Patrícia de Melo Moreira (3000 euros) e daquele que foi entregue a Gabriel Tizon (1500 euros), o Estação Imagem – encontro que está aberto a jornalistas portugueses, dos PALOP e da Galiza, bem como a estrangeiros que aí residam – distinguiu trabalhos em sete categorias (todas no valor de 1000 euros): Notícias, Assuntos Contemporâneos, Vida Quotidiana, Arte e Espectáculos, Ambiente, Série de Retratos e Desporto.
Os grandes fogos que afectaram o país em 2017 estiveram naturalmente em foco em algumas destas categorias. Mariline Alves venceu na de Ambiente (Incêndios Florestais em Portugal) e Rui Duarte Silva foi o premiado na de Notícias com Um País em Luto, reportagem sobre os que perderam a vida e os que ficaram para lhes sentir a falta, conjunto de imagens que inclui um cemitério durante um funeral, fotografado entre árvores queimadas, espécie de foco de luz branca no meio de uma paisagem enegrecida e também ela morta.
O fotojornalista Rui Oliveira (Vida Quotidiana) foi distinguido com O Bairro Esquecido, projecto sobre o Bairro do Aleixo, no Porto, e recebeu ainda uma menção honrosa por O Renascer de Isabel Batata Doce, uma mulher que foi trazida ainda bebé para Portugal por soldados que combateram em Angola durante a Guerra Colonial e que, aos 52 anos, resolveu regressar à terra onde nasceu (a sua história foi contada em 2015 na revista Notícias Magazine, que a acompanhou no regresso a casa em 2017, viagem que Rui Oliveira filmou e fotografou).
Maciço Antigo, trabalho sobre as transformações do meio rural português que tem Trás-os-Montes e o Minho por cenários valeu a Luís Preto o prémio em Assuntos Contemporâneos; António Pedro Santos venceu em Desporto com uma incursão pela natação adaptada com o atleta Alexandre Albernaz (À Prova de Água); e Gonçalo Delgado viu distinguida A Semana Santa de Braga (Arte e Espectáculo).
Na categoria Série de Retratos, foi o ensaio Chaga o escolhido. Leonel Moura, o seu autor, aborda nele a relação entre amor e doença, partindo de um universo de mulheres entre os 25 e os 45 anos afectadas pelo cancro na mama. “Muitas mulheres são abandonadas pelos companheiros quando a doença é diagnosticada. Outras relações perdem-se na via sacra. Poucos são os homens que ultrapassam o calvário. Há mães e filhos que partilham o sofrimento diário e a incerteza”, escreve o fotógrafo, lembrando que só no ano passado morreram em Portugal 1500 mulheres com esta doença.
Duas bolsas, dois territórios
Pela primeira vez este ano, os encontros Estação Imagem atribuíram este sábado duas bolsas (até aqui era só uma), no valor de 4000 euros cada, para que outros tantos fotojornalistas possam, ao longo do ano, desenvolver projectos nas regiões de Coimbra e do Minho. A escolha recaiu sobre Gonçalo Delgado, que vai fotografar a relação das famílias do Minho com a agricultura, e Bruno Silva, que propôs abordar a "problemática da saudade" na cidade dos estudantes. O resultado do seu trabalho de reportagem no terreno dará origem, em 2019, a um livro e a uma exposição, a inaugurar em Coimbra ou Viana do Castelo no âmbito da próxima edição dos prémios.
O palmarés só fica completo, no entanto, com mais dois prémios: o Noroeste Peninsular, entregue a Bruno Fonseca por O Salto, projecto sobre a emigração portuguesa, e o Europa, confiado ao vencedor na categoria de Notícias, Rui Duarte Silva, que a esta distinção concorreu com Geração X, “retrato” dos estudantes sem fronteiras.
Os encontros Estação Imagem começaram a 17 de Abril e invadiram pela primeira vez Coimbra com um intenso programa de exposições que inclui uma retrospectiva de Michael Nichols, um veterano que fotografa a natureza para a revista National Geographic; o trabalho do italiano Marco Longari em África, fotojornalista da agência de notícias France Presse que tem acompanhado as lutas políticas naquele continente; um ensaio tocante sobre um triângulo amoroso da terceira idade, com assinatura de Isadora Kosofsky, uma freelancer de Los Angeles; ou um retrato da comunidade cristã no Líbano feito pelo repórter de guerra Patrick Baz.
A exposição com os trabalhos vencedores divulgados ao fim da manhã deste sábado será inaugurada a 2 de Junho no Convento São Francisco, onde poderá ser visitada até 10 de Julho.