Não sei onde estás ou por onde andas. Não sei se te casaste ou se te tornaste pai. Muito menos sei se ainda te lembras de mim ou tens uma vaga ideia do que me fizeste passar.
Às vezes imagino que és pai e que alguém faz ao teu filho o mesmo que fizeste a mim. Não retiro nenhuma alegria nessa imagem, não sinto qualquer sentido de justiça. Não cabe a ninguém o fardo de suportar duras lições pelos seus progenitores.
Podia dizer que fizeste de mim alguém mais forte e resiliente, mas seria dar-te demasiado crédito por quem eu sou. Existe quem afirme que é no sofrimento que nos definimos, no entanto, quando se é adolescente, o amor acaba por ser mais preponderante, uma vez que ainda não temos os alicerces suficientes para não deixarmos que as opiniões dos outros (mesmo que infundadas) abalem quem somos e corroam a nossa personalidade. A opinião dos nossos “pares” na adolescência é a mais preponderante e, quando me tratavas como lixo, era essa a auto-imagem que se fixava na minha mente.
Será que tinhas uma pequena noção do que era estar na minha pele? Será que te causei tanto mal para que te vingasses com tanta crueldade? Será que fui um mero efeito colateral? Aquelas voltas intermináveis em redor da escola, sozinha, com olhos pregados no chão, na esperança de não me cruzar contigo, para não ter de ouvir as mesmas palavras cruas, os mesmos insultos, que eram muito mais do que simples palavras, eram muito mais do que ingénuas brincadeiras. Será que imaginas o que era chegar a casa e tentar fingir, tentar manter a máscara, de forma a ninguém perceber o quão insignificante me sentia? Será que na tua casa eras tu a vítima?
Acabei por seguir o meu caminho, encontrei em quem confiar, mas a tua voz ainda permanece num pequeno lugar da minha mente. A cada pequena derrota parece que ainda te consigo ouvir e vejo o meu fracasso reflectido nos teus olhos.
Muitos afirmam que nesta equação de bully versus vítima existem dois culpados: o bully, por não respeitar o espaço e singularidade do outro, e a vítima, por se deixar desrespeitar. Mesmo aceitando uma repartição da culpa, não considero que a distribuição seja equitativa. É verdade que podemos tentar fazer frente, mas nem sempre a luta é de forças iguais, uma vez que o nosso bully pode estar numa situação privilegiada.
Esta não é uma história com final triste, ou dramático, tampouco é uma história com um final feliz de plena superação. É uma história real. Tive a capacidade de seguir em frente e de descobrir que o mundo oferecia bem mais do que bullies e vítimas. Cicatrizei as minhas feridas, as marcas permanecem, mas aprendi a viver com os seus ensinamentos. Posso não ser a pessoa mais confiante ou extrovertida, transparecendo, até, uma imagem de arrogância que apenas procura proteger-me do que desconheço. No entanto, sei que podemos encontrar em nós mesmos a força para seguir em frente e que, às vezes, quando parece que não temos saída, o primeiro passo é olhar em nosso redor e reparar que existem reflexos nossos muito mais realistas do que os que nos chegam através daqueles olhos gozões.