Aos 18 anos, Mariana Rodrigues, hoje com 22, decidiu deixar de comprar roupa cujo processo de produção fosse contra os seus valores. “Queria apenas vestir roupa que fosse ética, em termos humanos e ambientais”, conta. Mas a opção de tomar decisões informadas revelou-se difícil — na maioria das vezes inalcançável —, uma vez que as marcas não disponibilizavam a informação que procurava. Afinal quem sabe onde foi feita a camisola que veste? Quanto recebeu o trabalhador por a fazer? Que idade tinha? Foram usados produtos de origem animal?
“O consumidor comum não tem ferramentas para tomar decisões informadas”, constatou Mariana. Foi com o intuito de pedir às marcas para disponibilizar essa informação que ela e uma amiga fundaram, em Abril do ano passado, a plataforma Alinhavo. O que agora é um projecto de sensibilização e de informação na Internet (especialmente activo no Facebook) e em eventos será muito em breve uma aplicação para smartphones e computadores, com informação sobre as marcas com loja física em Portugal. A app é lançada este ano.
Há um objectivo primeiro: “Fazer com que os consumidores estejam conscientes daquilo que estão a comprar e do impacto que essa compra tem.” Mudar comportamentos pode ser uma consequência disso: “Se possível, fazer com que comprem de forma mais sustentável, pois, se não estivermos informados, o consumo cego perpetuar-se-á”, afirma a fundadora. Mas nunca esta aplicação ou esta equipa lhe dirá o que é bom ou o que é mau, pois há muitas variáveis para definir aquilo que é a sustentabilidade no vestuário. Só informam. “E o consumidor tem a oportunidade de escolher mediante aquilo que para si faz mais sentido”, concretiza Mariana.
Consumidores para consumidores
O trabalho, voluntário, é feito por oito jovens, entre os 19 e os 30 anos. Formados em Informática, Design e Comunicação. Mariana é licenciada em Matemática Aplicada à Computação. Ninguém é da área da moda, o que serve o propósito de se apresentarem “como uma equipa de consumidores para consumidores”. E procuram-se mais voluntários.
A Alinhavo conta com o apoio da associação ambientalista Zero, da Academia Cidadã, do Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral e da Fashion Revolution. Este foi o movimento que lançou a campanha que incita os consumidores a perguntar às marcas #whomademyclothes (quem fez as minhas roupas) a propósito da Fashion Revolution Week deste ano. Como de costume, o evento acontece em Abril, por ter sido a 24 desse mês que, em 2013, o complexo fabril Rana Plaza, no Bangladesh, entrou em colapso. Morreram 1138 pessoas que fabricavam para marcas como a Benetton, Primark e H&M.
Rastreabilidade
Mariana tomou a sua decisão baseada nos seus princípios: não podia apoiar, através das suas compras, uma marca associada à escravatura moderna e que se alimentasse do trabalho de menores. E foi descobrindo outras questões que se impunham: compraria roupa de uma marca que “tinge os rios na China ou na Índia, de tal forma que os moradores daquelas zonas sabem quais as cores da próxima estação apenas por olharem para o rio”? (Uma referência ao documentário River Blue, produzido por Roger Williams e Lisa Mazzotta). “Apercebi-me de que não sabia de onde vinham as minhas roupas, por que mãos tinham passado”, explica.
A isso chama-se “rastreabilidade”, um conceito que caracteriza a capacidade que temos ou não de acompanhar o percurso de um produto desde a produção ao transporte para o local de venda.
Para que se torne pública, esta informação tem de ser disponibilizada pelas marcas. Que químicos são usados nos tingimentos? Qual o tipo de agricultura em que foram criados os materiais naturais, como o algodão? Existe uma política de reutilização? São algumas das perguntas a colocar. “Mas o nosso objectivo não é boicotar nenhuma marca”, ressalva Mariana Rodrigues. “O que nós queremos é que a indústria evolua e seja assertiva, para que também o consumidor lhe possa exigir mudanças.”
E há algumas portas abertas. Ainda no mês de Fevereiro, por exemplo, na sequência da campanha #GoTransparent, a Primark divulgou a localização das suas fábricas. A campanha lançada em Abril do ano passado pela Human Rights Watch, Clean Clothes Campaign e International Labor Rights Forum pressiona as marcas a disponibilizarem e actualizarem a informação sobre moradas, número de trabalhadores, produtos e empresas do grupo. Depois torna público quem o faz e quem não o faz.
E não faltam documentários sobre o tema. Living Wage Now (2016), produzido pela Asia Floor Wage Alliance, um colectivo de activistas pelos direitos laborais que calculam aquele que deveria ser o salário mínimo em cada país asiático, entrevista uma série de trabalhadores da indústria do vestuário na Indonésia, Índia, Camboja e Bangladesh. Problematiza: enquanto todos os produtos da cadeia de produção da roupa estão a aumentar de preço, as peças ficam mais baratas. A custo de quê?
Em Traceable (2014), a documentalista Jennifer Sharpe foi à Índia conhecer as pessoas que criaram a maioria da roupa que ela usa. “Qual é o preço da nossa roupa?”, foi também o repto lançado por Andrew Morgan para filmar The True Cost (2016). Aí aborda os grandes contras da chamada fast fashion: da exploração de trabalhadores pobres de países em desenvolvimento à contaminação de solos, rios e consequentes impactos na saúde das populações.
Existe certificação?
Existem vários tipos de certificações em matéria de tecidos, sendo uma das mais abrangentes a do Global Organic Textile Standard (GOTS), que define critérios internacionais uniformes para o fabrico de têxteis de fibras naturais. Apenas podem ser certificados como produtos biológicos aqueles que têm pelo menos 70% de fibras naturais e cuja cadeia de produção responde aos seguintes critérios: desde o cultivo das fibras até ao armazém onde são guardadas, à produção dos fios, tecelagem e condições laborais neste processo.
Em Portugal existe pelo menos uma marca de venda ao público com esta certificação, a Huggee Pure Wear, de roupa infantil. Há ainda mais 105 indústrias têxteis portuguesas certificadas, de acordo com a informação disponível no site do GOTS.
Existem ainda as certificações como a Organic Exchange — que dá resposta aos tecidos com mistura de fibras convencionais e biológicas, por exemplo, a que a GOTS não chega — a Oeko-tex, que testa substâncias nocivas para a saúde humana, e a Cradle to Cradle, que atende a critérios de qualidade relacionados com os materiais e a sua reutilização, o uso de energias renováveis e gestão de emissões de carbono, uso de água e justiça social.