Desabou o tecto do edifício do século XVIII que imita a Torre dos Ventos de Atenas

A torre algarvia, classificada de imóvel de interesse público, caminha para a derrocada final. Em redor, a expansão urbanística vai fazendo o seu caminho.

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As míticas figuras do Adamastor e Hércules ainda resistem numa velha casa, abandonada na zona histórica de Faro. O edifício, encostado à cerca seiscentista da cidade, está classificado de interesse público desde 1977. Porém, o interesse privado sobrepõe-se. As últimas chuvadas derrubaram o que restava da cobertura do telhado, constituído por oito águas. No limite, uma vez reduzido a escombros, fica mais uma parcela para lotear numa zona em forte expansão urbanística conhecida até há poucos anos por horta do Ferragial.

Na opinião do historiador Eduardo Horta Correia, não se trata apenas de um exemplar da arquitectura senhorial algarvia da época barroca. A construção desta torre octogonal, justifica, “segue a teoria de Vitrúvio, o arquitecto da antiguidade responsável pela Torre dos Ventos em Atenas”. A semelhança entre os dois edifícios, diz, está na forma e na escolha do local — um sítio com posição estratégica junto à ria Formosa. “Funcionava como se fosse uma rosa-dos-ventos — um marco de orientação”, justifica.

À medida que a cidade foi crescendo, a casa conhecido por Torre da Horta dos Cães ou Celeiro do Convento de São Francisco, construída no século XVIII, foi sendo abafada. No entanto, o imóvel não passa despercebido aos visitantes da zona histórica, mais que não seja pelo estado de abandono em que se encontra. Não deixa, porém, de ser uma referência arquitectónica embora tenha ficado parcialmente ofuscada pelos novos edifícios que a rodeiam e lhe retiraram o seu carácter singular. Este facto, acrescido dos quintais que foram nascendo junto à fachada poente, “não permite uma leitura minimamente aceitável do conjunto arquitectónico”, escreveu Horta Correia, na obra A Torre da Horta dos Cães, Monumentos, 24.

O edifício pertence actualmente à família Ramalho Ortigão e funciona como base de apoio e dormitório a um sem-abrigo. Desde 1996 que a imagem da torre figura num desdobrável de informação cultural, da autoria de Francisco Lameira, editado pela câmara municipal. O historiador, professor da Universidade do Algarve, destaca nessa publicação que as representações de Hércules e do Gigante Adamastor, que ornamentam o exterior do edifício, “constituem os dois mais relevantes exemplares de trabalhos de massa temática profana na região algarvia”.

Quem mandou erguer a torre, e mais dois edifícios singulares na cidade — ermida do Senhor do Bonfim e um solar para habitação — foi o juiz-desembargador Veríssimo de Mendonça Manuel. A iniciativa, diz Horta Correia “representou uma afirmação de poder”. A construção foi confiada ao mestre pedreiro e escultor Diogo Tavares. Já no século XX, em 1919, a família Ramalho Ortigão desenvolveu um projecto urbanístico nesta quinta, em cujo solo agrícola plantaram casas. A torre que terá sido uma “casa de fresco” para o juiz gozar da brisa marítima, nos dias quentes de Verão, foi depois usada como celeiro.

Há cerca de dois anos, Ribeiro — um sem-abrigo, vindo de Leiria — improvisou no quintal da torre uma casota, onde pernoita. “Tenho isto tudo limpinho”, diz, a mostrar que procura, dentro do possível, cuidar do espaço envolvente. De vez em quando, revela, “o pessoal do MAPS [Movimento de Apoio à Problemática da Sida], se preciso de ir ao hospital, vem buscar-me”.

O edifício de importante valor arquitectónico, artístico e histórico, tem portas e janelas entaipadas e, assim, vai seguindo a longa marcha da decadência até à derrocada final. Uma eventual intervenção por parte da câmara não está posta de parte. “Não próxima semana tenho uma reunião com direcção-regional da Cultura para definirmos as medidas a tomar”, diz o presidente do município. “O proprietário é obrigado a conservar o imóvel, caso não cumpra esse dever, a câmara pode tomar posse administrativa”, avisa ainda Rogério Bacalhau.

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