Justiça alemã (ao contrário da belga) deverá entregar Puigdemont a Espanha

Não será uma decisão imediata, mas o Código Penal alemão tipifica o crime de rebelião de forma muito semelhante à lei espanhola.

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Carles Puigdemont LUSA/Juanjo Galan
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Um carro da polícia alemã, que se crê transportar Puigdemont, chega à prisão de Neumuenster, na Alemanha Reuters/FABIAN BIMMER

De todos os países por onde Carles Puigdemont tem passado desde que decidiu abandonar Barcelona, seguir de carro até Marselha e daí voar para Bruxelas, no fim de Outubro, a Alemanha era provavelmente aquele em que menos desejaria ser detido. A detenção, na sequência da ordem europeia de detenção e entrega (OEDE), reactivada na sexta-feira pelo juiz Pablo Llarena, vai abrir um processo de estudo na Justiça alemã – o mesmo sucedeu na Bélgica, mas agora, antecipa-se um desenlace bem diferente.

As OEDE, um procedimento que se aplica em Espanha desde 2003, foram criadas para agilizar a detenção e entrega de um suspeito e substituem as antigas ordens de extradição no interior da União Europeia. Em princípio, a resolução de um processo destes acontece num prazo de 60 dias (90 no máximo) depois da detenção inicial. Ao contrário do que sucedia antes, aqui os governos não podem ter qualquer papel: tudo está nas mãos dos magistrados. 

A defesa de Puigdemont vai começar por alegar que o crime de rebelião não se encontra na lista de 32 delitos que as normativas europeias estabelecem como isentos da obrigatoriedade do “controlo de dupla tipificação” – a existência do delito nos códigos penais de ambos os países. Aliás, nem rebelião nem sedição estão nessa lista e, tal como são tipificados em Espanha, são raros em países da UE. Mas a Alemanha, um Estado federal, compósito, como Espanha, tem uma Constituição e um Código Penal particulares.

Assim, no artigo 81 do Código Penal alemão lê-se que “quem tentar com violência ou sob ameaça de violência prejudicar a continuação da existência da República Federal Alemã, ou mudar a sua ordem constitucional” será castigado com uma pena mínima de dez anos que pode ir até à prisão perpétua. Em “caso menos graves”, essa pena desce para entre um e dez anos. Já o artigo 82 castiga ainda os que “por forma ou ameaça de forma” tratarem de “incorporar o território de um estado [federado] na sua totalidade ou em parte noutro estado da República Federal da Alemanha, ou separar uma parte de um estado”.

Ainda no artigo 82, no seu segundo ponto, acrescenta-se que quem “mude a ordem constitucional será castigado com pena de um até dez anos”. Há ainda outro ponto que poderá ajudar à decisão dos juízes alemães, caso tenham dúvidas sobre as formas encontradas por Llarena para justificar a existência de violência (obrigatória na definição deste delito em Espanha): no artigo 83 do Código Penal alemão diz-se que a “preparação de um acto de alta traição contra o Estado será castigado com uma pena de um a dez anos”.

Em Espanha, a rebelião implica a utilização de violência e castiga os condenados com penas de 15 a 30 anos de cadeia – isto no caso de ocuparem cargos eleitos, como acontece com Puigdemont e com os restantes 12 ex-dirigentes já pronunciados por este crime.

A violência

Segundo Llarena, houve violência por causa das lesões sofridas pelos agentes da polícia durante o referendo ilegal de 1 de Outubro (marcado por cargas policiais que deixaram mais de mil catalães feridos, entre os que tentavam manter abertas as escolas e quem apenas pretendia votar) e por causa dos episódios de 20 de Setembro.

Nesse dia, a polícia nacional entrou em vários departamentos da Generalitat para deter funcionários que se ocupavam da organização da consulta e recolher provas. As duas maiores organizações soberanistas, a Associação Nacional Catalã e a Ómnium Cultural, marcaram uma concentração diante do Departamento de Economia e ao início da noite já ali havia dezenas de milhares de pessoas.

Os dirigentes destas organizações, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, estão detidos desde 16 de Outubro, e a Procuradoria acusa-os de “sedição”, justificando a violência com os dois carros da Guarda Civil que os manifestantes partiram já depois de os dois homens apelarem à dissolução do protesto e terem ido para casa. Entretanto, dezenas de agentes permaneciam no interior do edifício sem conseguir sair em segurança devido ao número de pessoas concentradas no exterior.

“Distúrbios”, “vandalismo”, “assédio de até 60 mil pessoas”, apelos “à determinação mostrada na guerra civil (Não passarão!)” e “violento levantamento” são alguns dos substantivos com que Llarena descreve os acontecimentos dessa noite de Setembro.

Vontade de “incorporar a força”

Em relação ao referendo e a todo o processo independentista, o juiz defende que “a persistência na determinação criminosa” dos seus responsáveis “mostra a sua vontade de incorporar a força ao mecanismo para obter a sessão”. Em particular, no referendo, sustenta que “se decidiu usar o poderio das massas, não só para que os resultados do referendo permitissem proclamar a independência, mas também para que o Estado se rendesse à determinação violenta de uma parte da população”.

Na prática, os juízes alemães podem ter dúvidas nas considerações com que Llarena justifica o crime de rebelião. Mas olhando para o Código Penal alemão parece bastar que acreditem ter havido “ameaça de violência”, já que facilmente concluirão que o objectivo de Puigdemont era “atentar contra a Constituição ou a integridade territorial do Estado”.

Já na Bélgica, os crimes de rebelião e sedição têm descrições muito diferentes e contemplam no máximo uma pena de cinco anos de prisão.

Permanecendo em Bruxelas (onde ainda estão os ex-conselheiros Toni Comín, Lluis Puig e Maritxell Serret), era provável que o máximo que acontecesse ao ex-presidente catalão era ser enviado para Espanha podendo apenas ser julgado pelo terceiro delito que lhe é imputado – “desvio de fundos”, pelos milhões de euros usados na campanha do referendo e na criação de estruturas para uma futura república.

Aquando da primeira ordem europeia, todos se apresentaram perante a Justiça e o processo de extradição iniciou-se. Com medo de não poder julgar Puigdemont por rebelião ou sedição, Llarena decidiu levantar a OEDE antes da decisão final dos juízes belgas, prevista para 14 de Dezembro, uma semana antes das legislativas de 21 de Dezembro em que os independentistas voltaram a obter maioria – e Puigdemont ganhou votos e deputados.

Para além das semelhanças nos códigos penais, a Alemanha é um dos países mais activos nos processos de cooperação judicial; em 2015, por exemplo, deteve 1635 pessoas num cumprimento de OEDE emitidas por outros Estados-membros, acabando por entregar 1283 delas.

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