Afinal, Puigdemont não regressou a Espanha
A “espada de Dâmocles” já estava erguida mas os prazos aceleraram. Juíza que mandou deter os Jordis aceita investigar acusações de “rebelião, sedição e desvio de fundos” contra governantes destituídos.
Depois de saber onde estão Carles Puigdemont e sete dos seus conselheiros, mais de metade do executivo catalão destituído pelo Governo de Madrid, “nenhum juiz do mundo deixará de aplicar como medida cautelar a prisão preventiva” para os investigados que compareçam quinta-feira para declarar na Audiência Nacional, diz Jordi Nieva-Fenoll.
“Se Puigdemont não tivesse escapado para Bruxelas, duvido de que houvesse fundamentos”, afirma o catedrático de Direito Processual da Universidade de Barcelona. “Agora, se um juiz não decretasse prisão preventiva, seria visto como um pateta.” Ora, não consta que seja o caso da juíza Carmen Lamela, da Audiência Nacional. Por isso mesmo, Puigdemont e pelo menos dois conselheiros deixaram o hotel onde se encontravam quando eram 21h30 em Espanha, apanharam um táxi para o aeroporto. Porém, ao início da madrugada, desembarcaram em Barcelona três membros do governo catalão – e nenhum deles era Puigdemont.
O dia foi pródigo em volte-faces. Sabendo-se que Puigdemont estava em Bruxelas, quase todos os comentadores apostavam que ia pedir asilo. Não o fez, apesar de afirmar que não teria um julgamento justo em Espanha, onde ele e o resto do seu governo destituído enfrentam acusações que podem resultar “em mais de 500 anos de penas de prisão”. O que disse foi que pretendia permanecer na capital política europeia até ter “garantias de um processo justo, com separação de poderes”.
Não foi assim. Os factos, uma vez mais, ultrapassaram-no. Ou melhor, talvez tenha sido ele a precipitar os factos.
Há uma regra não escrita mas sempre cumprida entre os juízes do Supremo Tribunal espanhol, lembrava de manhã o juiz emérito José Antonio Martín Pallin: “Numa situação de campanha eleitoral, não se avança, espera-se.” Ora, nem o Supremo nem a Audiência decidiram esperar. O que significa, diz o jornalista Ferran Casas, que os independentistas farão campanha debaixo de “uma espada de Dâmocles, medindo cada palavra, sabendo que disso pode depender se dormem em casa na noite seguinte a cada comício”.
Primeiro, foi o Supremo Tribunal que aceitou investigar as acusações de “rebelião, sedição e desvio de fundos” contra a presidente do parlamento autonómico dissolvido, Carme Forcadell, e os restantes cinco membros da Mesa do Parlamento, por terem permitido que se votasse a resolução onde se declarava “a proclamação da República”. E acedendo ao pedido da Procuradoria-Geral para os chamar a declarar com urgência, o juiz instrutor Pablo Llarena quer ouvi-los quinta e sexta-feira.
Ao final do dia, era a juíza Carmen Lamela que aceitava ficar com a investigação contra o ex-presidente da Generalitat e os seus 13 conselheiros, intimados a responder pelas mesmas acusações — o tribunal é outro porque os primeiros integram a Comissão Permanente da Assembleia, órgão em funções entre legislaturas; como eleitos, só podem ser julgados no Supremo. Lamela chamou os 14 ex-dirigentes a declarar nos mesmos dias 2 e 3 de Novembro, pelas 9h, meia hora antes da audiência no Supremo.
Nieva-Fenoll acredita que sem a excursão de Puigdemont, a Justiça teria esperado. Afinal, todos estes investigados, acusados pelo procurador José Manuel Maza dos mais graves crimes do Código Penal espanhol (só a rebelião pode significar 15 a 30 anos de cadeira), podem ser candidatos às eleições autonómicas que Madrid marcou para 21 de Dezembro na Catalunha. “Pode ser injusto, mas claro que influenciou a decisão. Com a saída do país de parte dos investigados, a rapidez não pode ser criticada.”
Se Puigdemont permanecesse na Bélgica, o seu vice-presidente, Oriol Junquera, e os ex-conselheiros que ficaram em Barcelona, Jordi Turull, Josep Rull, Carles Mundó e Raül Romeva, dificilmente sairiam em liberdade depois de se apresentaram na Audiência Nacional.
Rebelião e vingança
Nieva-Fenoll não considera que Puigdemont tenha fundamentos para falar numa “ofensiva política do Estado espanhol” a não ser num ponto. “Isso só tem sentido quando falamos na acusação de rebelião. Nunca houve rebelião em Espanha sem violência, essa acusação não poderá ser considerada”, defende.
Mas a “rebelião” aparece várias vezes repetida no despacho assinado por Maza na segunda-feira — um texto que os jornalistas descobriram ter como título original “Mais dura será a queda”, gravado nos metadados do documento. Facto que Puigdemont apresentou como prova de que “não é justiça mas vingança” o que se pretende.
A magistrada aceitou ainda fixar a fiança de 6,2 milhões de euros que pedia a Procuradoria-Geral, um valor que os investigados têm de depositar no prazo de três dias ou verão os seus bens congelados. Carmela decidiu incorporar à queixa declarações adoptadas pelo parlamento, assim como os últimos decretos do Governo sobre o processo independentista, já que, tal como se escreve na exposição do procurador, estes factos apontavam para que fosse proclamada “uma República catalã independente de Espanha”.
Sedição ou desacato
Carmela aceitou o caso por considerar que trata factos relacionados com outro que já dirige, o que investiga por “sedição” os presidentes das duas maiores associações independentistas, Jordi Sànchez (Assembleia Nacional Catalã) e Jordi Cuixart (Ómnium), para além do ex-major da polícia catalã, Josep Lluis Trapero. Os Jordis estão em prisão preventiva desde 16 de Outubro.
O catedrático da Universidade de Barcelona é crítico desta decisão e também não entende as acusações de “sedição”, delito que implica um “apelo tumultuoso” para impedir o cumprimento de uma lei, contra os Jordis. “Noutro caso qualquer, menos emocional, eles seriam acusados de desacato ou desordem pública, não se entende a sedição e muito menos a prisão preventiva.”
A verdade é que o independentismo catalão deixou grande parte de Espanha com os nervos em franja — e os juízes não parecem ter conseguido isolar-se de um contexto especialmente emocional.