PS e PSD, duas faces da mesma moeda europeia
Como Costa disse aos eurodeputados, Portugal não tem uma questão europeia: uma grande maioria popular e política apoia a Europa, que é vista como a única opção estratégica que pode defender os interesses nacionais.
1. Há uma coisa de que António Costa já tem a certeza. O Conselho Europeu de Março, chamado da Primavera, não será ainda o momento para lançar as reformas de que a Europa precisa urgentemente, a começar pela da zona euro. Mesmo assim, o primeiro-ministro português vai aproveitar a reunião dos 19 líderes que partilham a mesma moeda para insistir na necessidade de se avançar o mais possível até à cimeira de Junho, onde as decisões fundamentais devem ser formalmente aprovadas. Dirá o que disse em Estrasburgo: adiar as reformas apenas as torna mais difíceis; a união monetária apenas será sustentável se houve convergência económica.
O atraso do calendário deve-se ao tempo que a chanceler da Alemanha levou a constituir o seu novo governo de “grande coligação”, que só no dia 14 de Março tomou finalmente posse. Angela Merkel ainda mantém alguma reserva sobre a melhor estratégia a seguir no que toca à agenda europeia. Está preocupada com Vladimir Putin e com o comércio. Mas não poderá ignorar a reforma do euro, até porque o Presidente francês, Emmanuel Macron, embora com menos pressão, a quer manter na agenda.
O tempo já não é muito, lembra-se em Lisboa. Depois do Verão, a Europa vai mergulhar de cabeça no debate sobre o próximo orçamento plurianual que, como sempre, será muito difícil. Soma-se a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, com eleições marcadas para Março, que porá fim a um ciclo e abrirá outro. António Costa já fez as suas escolhas. Não vai insistir demasiado na conclusão da União Bancária, apesar de a ver como uma pedra fundamental da sustentabilidade do euro. Hoje, o sistema financeiro nacional já está suficientemente estabilizado para não requerer urgência. A sua aposta é na criação de um orçamento próprio da zona euro, que vai mais longe do que a ideia inicial de Macron, destinado a acudir a choques assimétricos que atingissem um ou mais países da união monetária. Costa defende que esse orçamento deverá ter uma outra dimensão: financiar reformas económicas e sociais que exigem investimento de que alguns países carecem, funcionando como uma ajuda à convergência real das economias. A sua ideia incluiu a negociação de “contractos” devidamente calendarizados e verificáveis para as reformas mais importantes. É uma forma de agradar a Berlim. Mas também uma forma de compensar eventuais cortes nos fundos de coesão que a nova realidade europeia faz admitir.
2. O discurso de Costa em Estrasburgo foi visto com agrado pelo PPE, o Partido Popular Europeu de Angela Merkel, de que fazem parte o PSD e o CDS. Paulo Rangel, o mais destacado dos eurodeputados do PSD e vice-presidente do PPE, tratou há muito de explicar aos seus pares do centro-direita que a coligação dos socialistas portugueses com o PCP e o BE nunca poria em causa o europeísmo do PS e do Governo, que lhes está no ADN. Como Costa disse aos eurodeputados, Portugal não tem uma questão europeia: uma grande maioria popular e política apoia a Europa, que é vista como a única opção estratégica que pode defender os interesses nacionais. Ela assenta na convergência entre os dois maiores partidos portugueses. Rangel vê a política europeia de Costa como a continuação da do anterior Governo. Falta ainda saber o que pensa Rui Rio sobre esta dimensão estratégica fundamental. Até agora, o líder da oposição ainda não incluiu a Europa no seu discurso político. Está em Bruxelas desde quarta-feira para os primeiros contactos. Terá de expor rapidamente o que pensa, numa altura em que Europa atravessa uma encruzilhada difícil onde se joga verdadeiramente o seu futuro e, consequentemente, o nosso.
Quanto ao CDS, Assunção Cristas não deu particular atenção às questões europeias durante o último Congresso. Ao contrário do PSD, o CDS já foi federalista, europeísta, eurocéptico, euro-calmo. O eurodeputado Nuno Melo reagiu ao discurso de Estrasburgo, acusando o primeiro-ministro de querer sobrecarregar os portugueses com mais impostos, desta vez europeus. Pelo contrário, os eurodeputados do PSD apoiam, como sempre apoiaram, a proposta do actual Governo em matéria de taxas europeias para financiar directamente o orçamento comunitário: sobre as transacções financeiras, as transacções de CO2 e as grandes empresas digitais. Como lembrou Paulo Rangel, não são “impostos europeus”, no sentido de serem pagos pelos cidadãos para financiar a Europa. São taxas que nem sequer afectam os cidadãos. De resto, Rangel aprova a política europeia de Costa, como quase sempre aconteceu entre os dois partidos, destacando a aproximação do Governo português à Alemanha, que louva e que reivindica para o anterior Governo.
3. Há outros pontos importantes em agenda, nomeadamente sobre a reacção europeia a Putin, depois do ataque químico para assassinar um espião russo no Reino Unido. Merkel tem insistido em que a Europa precisa de uma política comum para a Rússia e a China. Não minimiza o que aconteceu na Inglaterra. Não costuma subestimar Putin. Portugal está de acordo. Tal como está de acordo que saia desta cimeira uma menção à importância da relação transatlântica, para lá da guerra comercial lançada por Donald Trump.
4. Pelo contrário, não há a mínima convergência possível com os dois partidos que apoiam o Governo no Parlamento. Costa deixou claro que a Europa e a NATO ficariam fora dos acordos. O PCP é totalmente contra uma “Europa capitalista” e “militarista”. Representa hoje, em Portugal, o sobranismo que alimenta os populismos europeus. O BE não gosta desta Europa e eventualmente gostaria de outra. Não lhe interesse sublinhar demasiado esta divergência.