SIC não terá permitido a pai ver previamente o episódio da Supernanny onde a filha aparecia
Na terceira sessão do julgamento, nesta sexta-feira, foram ouvidas a madrasta de uma menina e o criador do programa internacional.
O pai da menina de sete anos que protagonizou o primeiro episódio do Supernanny tentou visualizar o programa antes de ele ser transmitido na SIC, a 14 de Janeiro. Quem o diz é a sua actual mulher e madrasta da criança que depôs nesta sexta-feira, como testemunha, na terceira sessão do julgamento que opõe o Ministério Público (MP) aos pais de todas as seis crianças envolvidas nos três programas gravados, dos quais dois foram para o ar.
O terceiro episódio está suspenso, a aguardar uma decisão do tribunal — a SIC não aceitou que fosse transmitido com recurso a filtros que protegeriam a identidade das crianças.
A acção de tutela da personalidade foi instaurada pela procuradora Luísa Sobral, coordenadora do MP no Tribunal Judicial de Oeiras, comarca de Lisboa Oeste, em representação das seis crianças (de três casais) envolvidas no programa, contra, por um lado, os respectivos pais e mães e contra a estação de televisão SIC e a produtora Warner Bros. A produtora já desenvolveu este programa em 18 países, difundindo 719 episódios pelo menos desde 2004.
A actual mulher de Luís Miguel Botelho contou como entre o momento da assinatura do consentimento para a participação da família e a apresentação do programa se dirigiram à SIC, onde lhes foi dito que os responsáveis pelo Supernanny não estavam presentes e que não poderiam ser recebidos nem poderiam visionar o programa já que ele não se encontraria fisicamente nas instalações da SIC.
Lisa Botelho, que disse ter sido testemunha dessas tentativas, contou ainda que o marido foi ameaçado pela SIC de uma acção em tribunal no valor de 11 milhões de euros se decidisse revogar o consentimento que assinara dias antes, enquanto pai, para o aparecimento da filha naquele programa em que uma psicóloga, Teresa Paula Marques, assume o papel de educadora ou ama da criança enquanto decorrem as filmagens na casa da família.
“Uma ajuda” para a criança
No primeiro caso transmitido, a criança de sete anos vive com a mãe que diz ter respondido favoravelmente à proposta de participação no programa por precisar de ajuda na educação da filha. O pai da criança terá primeiro recusado e mas depois aceitou, convencido de que a “abordagem seria positiva” e “uma ajuda” para a criança e para a mãe.
Mudou de ideias, contou Lisa Botelho em tribunal, à medida que ambos foram vendo nas várias estações da SIC — generalista, SIC mulher, SIC Caras — spots promocionais do programa, que começaram a passar com mais de dez dias de antecedência, nos quais eram transmitidos com crescente frequência imagens de comportamentos negativos da menina. “Nesses spots diziam que a menina era uma tirana, o que pessoalmente me apareceu avassalador. Não pensámos que seria exposta desta maneira negativa.”
Apresentaram uma queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, na tentativa de que a transmissão do programa fosse suspensa e dirigiram-se à Comissão Nacional para a Protecção e Promoção dos Direitos das Crianças, liderada por Rosário Farmhouse, para tentar esclarecer se os direitos da criança estavam comprometidos e o que poderiam fazer para visionar o conteúdo do episódio antes de ele ir para o ar.
Incitada a portar-se mal?
Depois de responder aos advogados e procuradora, a testemunha Lisa Botelho foi confrontada com o requerimento do advogado da SIC, Tiago Félix da Costa, apoiado pelo advogado Paulo Jesus Coelho, da Warner Bros. para que o seu depoimento fosse considerado “não credível”.
Tiago Félix da Costa referia-se em particular às respostas da testemunha relativamente à postura de menina que terá contado ao pai e à madrasta que fora incitada por elementos do programa a agravar o seu comportamento em frente às câmaras. Os exemplos referidos dizem respeito a três comportamentos em particular: cuspir para a mesa, empurrar a mãe e chamar-lhe estúpida e bater com os punhos em cima da mesa.
O advogado de defesa da SIC pediu ao tribunal que chamasse para testemunhar o membro da equipa de produção que terá sido, no caso de tal se comprovar, responsável por esse “incitamento” ao mau comportamento da menina. Mas o pedido foi indeferido pela juíza que disse que, de qualquer modo, este era tido como um depoimento indirecto — da criança através da madrasta.
Ao longo das três horas que decorreu a primeira parte da sessão desta sexta-feira, os advogados dos réus neste processo — pais que consentiram, SIC e Warner — tentaram descredibilizar a autenticidade da preocupação do pai da primeira criança que começou por consentir e depois quis retirar o consentimento para a participação da filha. Questionaram por que não pediu ele para assistir às filmagens, por que não pesquisou elementos sobre este programa noutros países onde é produzido e transmitido e, sobretudo, porque não tentou travar a transmissão com mais antecedência. O acordo foi assinado duas semanas antes de o programa ir para o ar. A mulher explicou que só com o tempo se foram apercebendo da gravidade da exposição negativa dos spots promocionais.
Também ouvido foi um dos responsáveis da Warner Bros., Edward Levan, que não se envolveu directamente na produção do Supernanny em Portugal, mas teve um papel de supervisão e de garantir que a equipa portuguesa tinha acesso a todas as instruções e materiais necessários das equipas de produção de outros países, onde, garantiu, o programa sempre teve efeitos positivos. O seu objectivo, disse, é ajudar pais em dificuldades independentemente de terem ou não recursos para pedir ajuda especializada, e “transmitir esperança a milhões” de famílias que possam estar a passar pelas mesmas dificuldades na educação e contenção dos filhos.
Para Ed Levan, a Supernanny não pode nem deve ser qualificado de programa de entretenimento, nem de reality show, mais se aproximando de “um documentário”, defendeu.
No final, questionado pelo PÚBLICO sobre os prejuízos que a produtora internacional está a sofrer com esta suspensão do programa em Portugal, disse não estar autorizado a falar.