A barbeira mais antiga de Portugal que correu mundo sem sair da Penha de França

Dália não passava de uma miúda quando se deixou fascinar pela profissão de barbeiro. Nunca desistiu de o ser e hoje continua a levantar-se de manhã para fazer o que gosta.

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Rui Gaudêncio
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Ao entrar no pequeno barbeiro “O Fernando”, na Avenida General Roçadas, na Penha de França, e se ver rodeado de espelhos, fotografias de cortes de cabelo e antigas cadeiras de cabedal, a última coisa que se espera é que, de navalha e tesoura em punho, esteja uma mulher a cortar cabelo e muito menos uma mulher cuja história de fazer um “trabalho de homem” foi notícia mundo fora após uma reportagem da AFP no início deste mês. Mas é tudo isso que encontramos.

Dália Antunes, de 44 anos, é barbeira profissional há quase 30 – ela insiste que é barbeiro porque diz que em português a definição de “barbeira” equivale a mulher de barbeiro –  o que a faz com que seja a mulher que, a nível nacional, exerce esta profissão há mais anos.

A paixão pela dita profissão "de homem" surgiu ainda na sua infância, quando tinha apenas oito anos e costumava ir às compras com a sua mãe na zona onde cresceu, a Lapa. “Passávamos sempre por um barbeiro que era o Sr. Anatol e o seu trabalho fascinava-me tanto que comecei a ficar lá para o poder ver a manusear os instrumentos e a navalha”, conta Dália.

O fascínio permaneceu e apesar de continuar a estudar, cedo soube que queria seguir a profissão, algo que o pai “não achou piada nenhuma” já que, na família, não havia nenhum cabeleireiro – quanto mais uma mulher barbeiro. Mas Dália estava decidida e começou a tirar o curso à noite, ao mesmo tempo que continua a frequentar o liceu.

“Fui a única mulher do curso e já a meio da formação trabalhava na Estrela. Quando terminei, e entendi que queria trabalhar a sério, o meu professor de curso empregou-me – e pôs-me a trabalhar na Avenida Mouzinho de Albuquerque, na Penha de França”.  Não escolheu ser cabeleireira porque esticar cabelos não era algo que a seduzisse.

A sua vida teve altos e baixos, criou uma filha (agora com 21 anos), casou e divorciou-se mas uma coisa se manteve constante: a sua profissão de barbeira. Chegou a mudar de local de trabalho para um centro comercial em Oeiras, algo que diz não ter gostado e que acabou por a fazer regressar ao bairro que chama de seu.

“Eu gosto é da dinâmica de barbeiro de bairro: toda a gente se conhece e eu sei quem é o cliente que se senta na minha cadeira. Há uma confiança inesgotável e eu tenho clientes há mais de 20 anos porque prezam essa ligação”, conta Dália, que confessa ser gratificante ver gerações de avós, pais e filhos passar pelas suas mãos.

A fidelidade dos clientes, que vão morar para outros lugares mas continuam a vir cortar o cabelo com Dália, é algo que, segundo a própria, fará com que nunca deixem de existir este tipo de negócios já que “os cortes da moda são passageiros, mas os bons locais onde cortar não”.

Mulheres que sucedem em “trabalhos de homem”

A portuguesa esteve sob a luzes da ribalta no último dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, altura em que uma reportagem fotográfica da agência de notícias Agence France Presse (AFP), que pretendia mostrar mulheres de variados países em trabalhos estereotipicamente de homem, correu os mais variados sites de notícias internacionais - sendo Dália Antunes uma das destacadas.

“A fotógrafa Patrícia de Melo Moreira andava a fazer pesquisa acerca deste tipo de profissões e encontrou-me e pediu para me fotografar no meu primeiro local de trabalho, a barbearia Oliveira em Marvila”, relata. Dália confessa “não ter previsto o enorme impacto que a fotografia ia ter”.

“Eu faço o que faço porque gosto e porque acordo de manhã e não me sinto obrigada a ir trabalhar. E é bom ter reconhecimento por isso”, sublinha.

A barbeira dá conta que o sucesso advém da falta de conhecimento de que existem mulheres na profissão mas clarifica que, enquanto há 30 anos ouvia conselhos algo alarmistas por parte das mulheres que acompanhavam os maridos ao barbeiro, hoje conhece mais duas barbeiras de navalha afiada.

Para o futuro sonha conseguir que o espaço passe a ser dela e recusa-se a sair do seu bairro ainda que, depois da sessão fotográfica, já tenha tido algumas propostas.

“Agora não só conheço toda a gente como toda a gente me começa a conhecer como a barbeiro lisboeta que apareceu nas notícias”, acrescenta com um sorriso. "Mas o meu foco principal é ficar aqui e ficar com este local. Eu não saio da Penha de França”, conclui.

Texto editado por Ana Fernandes

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