“Haver alguma concorrência é positivo para o sector do táxi”

José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, diz que já foram passados 1367 autos a operadores de transporte que trabalham com empresas como a Uber, mas que já não há nenhuma hipótese de haver um mecanismo de limpeza das multas.

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José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente Rui Gaudêncio

A lei que vai regulamentar a actividade de empresas como a Uber, bem como os motoristas e operadores de transportes que trabalham com estas plataformas, foi votada esta quarta-feira na Comissão de Economia da Assembleia da República, mais de um ano depois de ter chegado ao Parlamento. O resultado final tem por base a proposta do Governo e o projecto do PSD, mas também contributos de outros partidos.

Para José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, que tutela o sector, o resultado final é “positivo”, afirmando que a única grande mudança face à proposta inicial é a contribuição que terá de ser paga por empresas como a Uber, imposta pelo PSD. É ao Ambiente e às Finanças que caberá estipular essa contribuição (entre 0,1% e 2% do valor cobrado por viagem aos operadores de transporte), mas não revela qual será a decisão.

Sobre as multas, diz que já defendeu a criação de mecanismo de limpeza das contra-ordenações, algo que não foi acatado pelo Parlamento na nova lei. Assim, diz, o assunto está fechado. Até agora, revela, já foram passados 1367 autos, o que leva o valor global para cerca de seis milhões de euros.

No que diz respeito aos táxis, aguarda as conclusões do grupo de trabalho que está em curso. A modernização deste sector, refere, é um tema importante, e pode vir a incluir um limite à idade dos veículos.  

Revê-se totalmente no diploma que resulta das votações que ocorreram esta quarta-feira à noite na Comissão de Economia?
O diploma ideal para quem tem uma proposta de lei é a sua própria proposta de lei. Esta resultou de um consenso entre todos os partidos na Assembleia da República e, portanto, entendo-a como positiva. Não ultrapassa nenhum dos pilares conceptuais que tínhamos desenhado para o diploma, como a questão dos contingentes, da idade dos veículos, ou do escrutínio aos diferentes operadores, plataformas, motoristas, etc. Estamos confortáveis com o resultado da votação. E o procedimento foi exemplar, tendo começado em 2016 com um grupo de trabalho.

Mais de um ano no Parlamento também é exemplar?
As coisas complexas demoram tempo. E digo exemplar no sentido em que fizemos um grupo de trabalho com todos os actores e parceiros, esse grupo fez recomendações e com base nisso fizemos uma proposta de lei que foi aprovada em Conselho de Ministros. Depois, foi enviada para o Parlamento, onde houve propostas de outros partidos, houve propostas de alteração, e os partidos entenderam-se.

Qual a principal alteração que destaca, face à proposta inicial?
A única que não estava na nossa proposta era a questão da contribuição. Tudo o resto são variantes do que lá estava, outras abordagens, e que não prejudicam o espírito da lei, pelo que não estamos insatisfeitos.

Inicialmente essa contribuição, proposta pelo PSD, era uma taxa de 5% sobre a margem cobrada aos operadores de transporte. Agora será fixada entre 0,1% e 2% por portaria da sua responsabilidade. Já tem alguma ideia do valor?
Só tenho uma ideia: a de que será entre 0,1% e 2%, porque é isso que está na lei da Assembleia da República.

Algures no meio estará a virtude, dentro desta baliza tão larga?
Será entre 0,1% e 2%.

Quando é que ficará decidido?
Agora é preciso fechar o texto final. A votação final em plenário será, ao que me dizem, de sexta-feira a oito dias, na próxima semana [dia 23 de Março], e depois vai para promulgação do Presidente da República. Só depois disso é que posso fazer a portaria. Há duas portarias. Uma é esta, que terei de fazer com o meu colega das Finanças, e a outra é a das horas de formação dos motoristas.

Qual é que foi a necessidade de remeter as horas de formação para uma portaria? Tanto a proposta do Governo como o PSD falavam em 50 horas…
Terá de perguntar aos deputados.

Alguém lhe deu alguma explicação?
Acho que a ideia será mais a de definir o conteúdo da formação…mas estas negociações acontecem entre partidos na Assembleia. Eu não interferi.

Então pode definir que ficam as 50 horas, como estava na proposta inicial…
Não posso ser afirmativo sobre isso neste momento porque tenho de perceber, quando o processo estiver fechado, com o texto final, qual foi o espírito do sentimento geral da discussão parlamentar para encontrar então uma solução que eu acho que reflicta aquilo que é o pensamento de uma maioria do Parlamento. Mas o valor de 50 horas era a nossa proposta inicial e com o qual estamos confortáveis. Se vai ser esse no final logo veremos.

Houve uma proposta do PSD, através da qual fica estipulado que os motoristas não podem trabalhar mais do que 10 horas por dia. Concorda? Porque é que não estava na proposta inicial?
Havia já um limite de horas no nosso projecto.

Quantas horas?
Penso que remetia para a lei geral. Mas estamos completamente confortáveis com as dez horas. Há sempre relatos de excesso de horas seguidas no sector, portanto a lei tem de ser clara nisso. Parece-nos natural que um motorista, num período de 24 horas, trabalhe as oito horas normais, e possa até trabalhar 10 horas, algo que acontece às vezes. Mais do que isso parece-nos excessivo.

Ainda na área das questões laborais, os deputados socialistas introduziram uma alteração que impõe a existência de um contrato escrito que titule a relação entre os motoristas e as empresas para as quais trabalham. Isso não estava na proposta inicial. Porquê?
Não estava porque entendemos que… quando um motorista trabalha para um operador de transportes há de ter um qualquer vínculo. Portanto, nós entendemos que não era preciso dizê-lo explicitamente. Não há uma lei que diga que tem um vínculo com o seu jornal ou com outro, pode escrever para mais do que um jornal. Entenderam explicitar isso. Isto é um vínculo, - o tipo de contrato hão-de decidir as partes, se é dependente, independente, etc. -, no sentido em que o documento estabelece que o motorista A trabalha para o operador X. Eu não vejo nada de negativo nisso.

É um reforço, uma redundância….
Acaba por ser um pouco. O que o legislador quer é enviar um sinal, chamando a atenção de que não se pode facilitar nesta formalidade. Não deixa de ser uma redundância. Quando há trabalho, tem de haver um qualquer vínculo estabelecido. Não atribuo uma importância muito especial a essa questão.

Quando em Dezembro defendeu, em declarações ao Expresso, que devia haver um mecanismo de limpeza das contra-ordenações passadas aos veículos que trabalham com plataformas como a Uber estava a pensar exactamente em quê?
Eu expliquei isso quando fui ao Parlamento, que me chamou para ir lá esclarecer essa questão. A minha interpretação foi sempre esta: se estamos a escrever uma lei para enquadrar uma determinada actividade, isso significa que há uma escassez ou ausência de enquadramento regulamentar. Há uma ausência, porque antes não existia esta modalidade. Isso é claro, porque se assim não fosse não tínhamos de fazer esta lei, ficava tudo como estava. O que significa que, em relação aqueles que estão a operar na tal escassez de regulação, há uma dúvida legítima relativamente a enquadrar-se ou não noutros regimes. Eu ilustrei isso com decisões contraditórias de tribunais face à existência ou ausência de alvará para o transporte. E exprimi a minha opinião de que, havendo uma nova lei, poderia ser normal fazer-se um momento zero. Os deputados assim não o entenderam, acharam que esta lei não devia ter nenhuma norma transitória ou um mecanismo que de alguma forma limpasse esse passado de contra-ordenações. Eu respeito essa decisão dos deputados, não vale a pena voltar a esse assunto. Não o puseram na lei. Portanto, não está lá, não está lá.

Não pode haver nenhum outro tipo de medida?
Não pode haver, a lei é do Parlamento. Se os deputados não puseram lá, é porque entenderam que não deve estar.

No sector há a expectativa de que vai existir uma espécie de limpeza…
Essa expectativa não sei por quem foi criada. Aquilo que eu disse, expliquei muito bem. Foi um pensamento que tive, que resolvi manifestar e a quem compete aprovar a lei, que é ao Parlamento, entendeu que não era o caso. Francamente, não vejo que haja razões para expectativas. O que está a acontecer no terreno é que há contra-ordenações, que são contestadas – há a tal dualidade a que me referi, e por essa razão é que levantei a questão. Há tribunais, há mecanismos, as coisas seguirão o seu percurso normal. Quem se enquadrar neste novo tipo de regime naturalmente que deixa de ter esse problema.

Deixa a partir desse momento em diante. As multas que foram passadas e não pagas ficam por resolver. Há quem defenda que pode haver casos de falência, principalmente entre pequenos operadores. Dez multas, por exemplo, a cinco mil euros cada, dá 50 mil euros. Acha que há esse risco de falências? 
Não faço ideia. Não conheço a equação económica do sector, desses operadores. Como lhe disse, a lei é do Parlamento, que entendeu que não deveria endereçar essa matéria.

Tem ideia de quantas multas foram passadas até agora?
Em relação às multas, contra-ordenações – estão quase todas em instrução – por ausência de alvará de transporte mobilizado ou angariado a partir de plataforma electrónica, o valor que eu tenho, desde Novembro de 2016, data da legislação, é o de 1367 autos. Que estão quase todos em contestação.

Com um valor de cinco mil euros cada [o que daria um total 6,8 milhões].
Não necessariamente.

Não necessariamente mas por norma, ou não? Esse é o valor mínimo que corresponde a entidades colectivas, e é o que tem sido mais aplicado…
Se for uma entidade privada é entre 2000 e 4500 euros, e se for uma entidade colectiva, uma pessoa colectiva, é de 5000 a 15.000 euros. Haverá muitas de 2000 euros. Mas o valor médio pode ser pelos 5000 euros. Essas contra-ordenações, e sei isto pelos jornais e pelo que me dizem do IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes], estão a ser contestadas, e os tribunais hão-de decidir. Há decisões contraditórias sobre isso, e o Estado de Direito segue o seu caminho normal.   

Em relação ao período entre o momento em que a lei for publicada em Diário da República, e o dia da entrada em vigor, três meses depois, haverá algum tipo de indicações para se suavizar a questão das contra-ordenações?
Não dei indicações antes, também não dou agora.

Espera algum tipo de reacção dos representantes dos táxis a este processo de regulamentação, na sequência do que ficou decidido esta quarta-feira? 
Eu acho que, pelo facto de o processo legislativo ter sido exemplar – demorado, sem dúvida, porque era complexo -, com um percurso normal num Estado democrático, no fim as pessoas têm de aceitar o resultado. Foi uma maioria na Assembleia da República que achou que era assim que devia ser. Portanto, não quero acreditar que haja uma contestação, no sentido negativo. Reconheço e respeito a insatisfação do sector, ou de algumas pessoas, mas devo dizer também, e esta mensagem é importante, que o sector do táxi existe e continuará a existir, é importante no ecossistema da mobilidade urbana, tem um quadro de obrigações e de benefícios, e é nesse quadro que trabalha. Eu acho que haver alguma concorrência é positivo para o sector do táxi.

Agora que essa nova concorrência vai estar devidamente regulamentada está a ser equacionada alguma alteração ao sector dos táxis?
Pode haver algumas alterações do próprio sector, no sentido de responder à concorrência, acho muito bem que haja...

Estava a pensar no próprio quadro regulamentar…
Do ponto de vista do quadro regulamentar, temos um grupo de trabalho em funcionamento com o sector do táxi, com a Federação do Táxi e com a Antral [Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros]. Esse grupo tem uma agenda, um conjunto de pontos, que foi consensualizada lá atrás, e tem-se reunido.

Quando começou?
O grupo de trabalho é de 2017.

Recordo-me de um conjunto de medidas para a modernização do sector que foram apresentadas em 2016.
Sim, mas o grupo de trabalho é de 2017. Eu não tenho assento [está presente o IMT], e eles é que definem o seu ritmo. Quando concluírem o trabalho, apresentarão um conjunto de recomendações ao Governo e nós vamos olhar para elas. Eu sempre o disse: se e quando o sector entender que há aspectos que se podem melhorar, alterar a regulamentação no sentido de o tornar mais competitivo, o que quer que seja, estamos cá para isso. Aliás, como diz, em 2016 apresentámos mesmo um desafio, com um conjunto de medidas só para o sector do táxi. 

Uma delas era a disponibilização de 14 milhões de euros para a renovação da frota. Isso avançou?
Não houve resposta do sector a isso. Também é preciso clarificar que esse era o valor estimado para fazer a conversão de parte da frota para veículos eléctricos, não era um apoio a fundo perdido. O que estávamos a ponderar na altura era criar uma linha de financiamento que permitisse ao sector fazer essa transformação em condições mais favoráveis.

Algo que acabou por não avançar…
Acabou por não avançar, o sector não respondeu a isso. Mas está em aberto.

Se houver alguma alteração em termos de regulamentação do sector do táxi essa poderá então vir do grupo de trabalho?
Grupo de trabalho que apresentará recomendações. O sector que eu mais recebi desde que estou no Governo foi o do táxi. E bem, não tem problema nenhum. Do conjunto de preocupações existem várias que reputamos de importantes, como a questão da dimensão da formação, com o sector a dizer que as horas de formação eram excessivas, não sei se mantém a mesma opinião ou não. Também o problema das praças de táxi dos aeroportos, sobretudo do aeroporto de Lisboa, no qual era preciso fazer qualquer coisa, com auto-regulação, porque há ali coisas que não são positivas para o sector e ele próprio o reconhece. Havia a questão das renovações das frotas, e outra de natureza fiscal, da factura a bordo dos veículos, a factura electrónica, que não existe hoje. Esta implica meter equipamentos, etc., e o Estado está cá para apoiar no necessário, como apoiou no passado quando foi preciso fazer novos taxímetros. O grupo de trabalho tem um conjunto de temas, que está a trabalhar, e nós aguardamos para participar. Havendo recomendações, olharemos para elas, para o que se pode fazer e para o que se deve fazer.

Vai dar contributos seus, ou será meramente receptivo?
Não posso ser meramente receptivo, como imagina.

Referia-me a medidas novas.
Há questão dos veículos eléctricos, exemplo que já dei, e a questão da idade dos veículos, que é central.

Existe a ideia de impor também um limite à idade dos veículos?
O sector está muito receptivo a isso, já nos disse.

Isso seria uma exigência, não necessariamente um apoio…

Não estamos a falar de apoios, mas sim de modernização do sector. Para ser competitivo tem de se modernizar. O sector fará um conjunto de recomendações, que se pode encarar como um caderno reivindicativo. Naturalmente, não seremos um simples receptáculo, para depois fazer uma lei daquilo. Veremos o que é legítimo, possível, factível, acrescentaremos aquilo que temos a acrescentar, e dialogaremos de novo no sentido de alterar o que for para alterar. Se o sector do táxi entender que o número de horas de formação para motoristas, que agora são 125, pode ser reduzido, eventualmente ajustando os conteúdos, estamos muito receptivos a isso.

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