A táctica socrática de Luís Filipe Vieira (e outros)
A táctica socrática é uma dupla ofensa à nossa inteligência: não explica aquilo que existe e inventa aquilo que não existe.
Convinha que os portugueses que são suspeitos de alguma coisa tomassem consciência que reagir a acusações sérias com gritinhos de “conspiração” ou “campanha ignominiosa” é assim como usar meias brancas com raquetes: houve um tempo em que foi moda, mas hoje em dia é pura e simplesmente ridículo.
A táctica é sempre a mesma, apenas mudam os protagonistas. É até possível construir uma matriz que serve para qualquer situação, de José Sócrates a Luís Filipe Vieira, passando por Feliciano Barreiras Duarte: 1) É divulgada uma notícia embaraçosa; 2) o alvo da notícia não dá qualquer explicação razoável acerca dos factos dessa notícia; 3) o alvo da notícia diz-se vítima de uma terrível campanha; 4) o alvo da notícia nunca identifica claramente os autores dessa campanha; 5) o alvo da notícia ameaça com processos judiciais.
Vamos aos estudos de caso. 1) Comunicado de Barreiras Duarte sobre a suspeita de que embelezou o seu currículo com uma falsa ligação à Universidade de Berkeley. 2) “Todos os movimentos e acções relacionados com esse caso estão devidamente documentados e são inequívocos quanto à minha inocência”, “vou esperar, serenamente e em silêncio absoluto, pelos resultados do inquérito da PGR”. 3) “Tenho sido alvo de uma campanha ignominiosa”. 4) “Em última análise, ela tem o objectivo principal de atacar a direcção do PSD”. 5) “Reservo-me o direito de usar todos os meios legais ao meu alcance para recuperar a minha reputação e ser ressarcido das perdas e danos morais que me causaram e à minha família”.
Outro exemplo. 1) Conferência de imprensa de Luís Filipe Vieira sobre o caso e-toupeira. 2) “Nunca a minha direcção manchou a honra do Sport Lisboa e Benfica”, “é inconcebível o que fizeram à marca Benfica”, “acabou a paródia que tem sido instalada neste país à conta do Benfica”. 3) “Fomos vítima de um ataque sem precedentes”, “não posso pensar que alguma vez na justiça possa haver clubite”, “venderam-se muitos jornais, tiveram muitas audiências, mas a partir de segunda-feira o Benfica tem um gabinete de crise montado para responder a todos estes ataques, venham de onde vieram e sem perdoar ninguém”. 4) “No dia certo nós iremos desmascará-los.” 5) “Aqueles que mancharam o nome do Benfica têm de ser severamente castigados”, “iremos agir criminalmente sobre quem puser em causa o nome do Benfica, seja contra administradores, seja contra jornalistas”.
Luís Filipe Vieira acrescenta ainda um sexto ponto, apenas ao alcance do universo futebolístico, que é o toque a reunir da tribo: “Aos benfiquistas peço que se unam à volta do Benfica, e aqueles que estão a fazer o jogo dos nossos adversários tenham vergonha. Numa altura de crise todos temos de estar juntos pelo Benfica.” O mecanismo consiste em extrapolar suspeitas que envolvem comportamentos individuais, transformando-os em ataques gerais a uma instituição (seja o Benfica, seja a direcção do PSD). Donde, quem critica tais comportamentos só pode estar ao serviço de terríveis adversários (Porto, Sporting, inimigos de Rui Rio). Infelizmente para eles, a táctica não só é demasiado tosca, como José Sócrates esgotou a desculpa da cabala por várias gerações. Hoje em dia, cada vez que alguém profere a palavra “conspiração” aquilo que eu ouço é “confissão”. A táctica socrática é uma dupla ofensa à nossa inteligência: não explica aquilo que existe e inventa aquilo que não existe. É pura poluição do espaço público – e deve ser denunciada enquanto tal.