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Reforma da floresta: carta aberta ao sr. Presidente da República e ao sr. primeiro-ministro

A legislação sobre a chamada “limpeza das matas” e o modo com tem estado a ser implementada é o exemplo mais recente dos erros já antigos na nossa política florestal.

Ex.mos Sr. Presidente da República e Sr. Primeiro-Ministro,

Como V. Exas. bem sabem, há dois factos fundamentais que caracterizam a estrutura da produção florestal em Portugal:

1) Portugal é um dos países do mundo onde a percentagem de área florestal privada é mais elevada (o Estado só é dono de menos de 2% dessa área), área essa que, muitas vezes, está fragmentada em propriedades de pequena dimensão, as quais, por sua vez, estão divididas em várias parcelas espacialmente dispersas;

2) Desde meados do século passado, quando as populações agrícola e rural começaram a diminuir de forma definitiva, a rentabilidade privada da produção florestal (rentabilidade para o produtor florestal) entrou em degradação, sendo negativa em grande parte do país, embora ainda seja positiva a rentabilidade social dessa produção (a rentabilidade privada acrescida do valor dos serviços ambientais da floresta que beneficiam toda a sociedade, mas que os produtores não recebem, ou só muito parcialmente recebem).

As implicações que deveriam ser daqui retiradas em termos de políticas públicas são as seguintes:

1) Dar toda a prioridade a incentivos económicos que permitam pagar aos produtores florestais que se esforcem por melhorar a gestão florestal o valor dos serviços ambientais produzidos pelos seus espaços florestais;

2) Afectar uma parte destes incentivos à promoção vigorosa de formas de gestão florestal agrupada, modulando esses incentivos de modo a terem em conta a heterogeneidade dos ecossistemas e da estrutura socioeconómica da produção florestal em Portugal.

Se quisermos resumir estas implicações de uma forma que, sendo mais coloquial, pode ser mais fácil de entender, poderíamos dizer que o tipo de política florestal mais adequado para esta estrutura da produção florestal deveria ter em conta que gerir espaços florestais, nestas condições, em primeiro lugar, é gerir pessoas (os donos desses espaços), em segundo lugar é gerir pessoas (as pessoas que gerem esses espaços), em terceiro lugar é gerir pessoas (as pessoas que usam os bens e serviços que esses espaços produzem) e em quarto lugar é gerir árvores e outros recursos que existem nesses espaços. Como estas pessoas, na sua esmagadora maioria, não são nem o Estado, nem os municípios, nem os técnicos florestais, mas sim indivíduos que tomam as suas decisões livremente, influenciados por incentivos económicos e outros, então o essencial da política florestal deve ser intervir nesses incentivos de maneira a induzir essas pessoas a melhorarem a gestão dos espaços florestais.

Infelizmente não é este o modelo de política florestal que temos tido nos últimos... dois séculos. A reforma de política florestal em curso, tal como as anteriores, ainda não alterou substancialmente esta situação.

Com efeito, continuam a ser cometidos os dois erros fundamentais de que esta política pública tem enfermado ao longo de todo este tempo. Um é o de se proceder como se a floresta em Portugal fosse do Estado. Isto acontece quando se produz legislação que dá ordens para serem cumpridas pelos produtores florestais privados, supostamente em nome do interesse público, sem se cuidar de os compensar pelos custos que têm que suportar para cumprirem essas ordens e sancionando-os se não cumprirem. A legislação sobre a chamada “limpeza das matas” e o modo com tem estado a ser implementada é o exemplo mais recente deste erro já antigo na nossa política florestal.

O outro erro também antigo na nossa política florestal é achar-se que se podem resolver os problemas de que a nossa produção florestal enferma despejando para cima dela doses de supostamente boas técnicas de gestão das árvores e doutros recursos dos espaços florestais e boas técnicas de prevenção e de combate aos incêndios, sem, ao mesmo tempo, se implementarem incentivos muito vigorosos para a gestão florestal agrupada. Dito de maneira mais coloquial, este é o erro de se considerar que, num país como Portugal, gerir uma floresta é essencialmente gerir árvores.   

Vou deixar só dois exemplos que mostram como as reformas da política florestal, a actual e outras anteriores, não têm cuidado como deve ser dos incentivos económicos para a gestão florestal agrupada. Um dos exemplos é o programa de sapadores florestais criado pelo actual ministro da Agricultura, no seu anterior mandato, em 1999. Nessa altura foi estabelecido um financiamento público equivalente a 35.000 euros por equipa e por ano para pagar o “serviço público” destas equipas (“limpezas de matas” combinadas com o ICNF, vigilância e 1.ª intervenção no combate aos incêndios). Os governos que se sucederam não aumentaram este pagamento em um cêntimo sequer. O actual Governo aumentou esse valor para 40.000 euros, quando deveria ter sido para 47.000 euros, e congelou-o para os cinco anos seguintes. Além disso, tal como os governos anteriores, tem deixado as organizações que têm estas equipas sem receberem nada por esse “serviço público” durante quatro, cinco ou até seis meses, e na pior época do ano que é o Inverno. Foram anunciadas algumas pequenas melhorias neste domínio, mas este Inverno ainda tem estado a ser assim.

Outro exemplo de como não se tem cuidado como deve ser dos incentivos económicos para a gestão florestal agrupada é o dos incentivos económicos para as ZIFs. Neste caso continua a não existir financiamento público para apoiar o seu funcionamento.

Antes de terminar, renovo o convite que fiz, por carta, a V. Exas. na qualidade de presidente da direcção da Associação Florestal do Vale do Sousa, em 19 Setembro de 2016, na altura com a sugestão de virem até nós nesse Inverno, observar com os vossos próprios olhos e no terreno o trabalho dos nossos sapadores e dos nossos técnicos, ao serviço dos nossos associados, na agora tão falada “limpeza das matas”. 

O convite continua de pé, com o pedido de usarem a vossa magistratura de influência para que mude o tipo de política florestal que tem existido em Portugal desde há muitos anos, passando a dar-se prioridade aos incentivos para a gestão florestal agrupada, e apoiando-se e dignificando-se os produtores florestais que se esforçam nesse sentido, bem como os sapadores florestais, os técnicos e os outros colaboradores das organizações que esses produtores criaram e que, no terreno, os ajudam ao longo de todo o ano.

Certo da vossa atenção, desde já agradeço, subscrevendo-me com respeitosos cumprimentos,

Américo M. S. Carvalho Mendes

1.º subscritor da petição pública “Cuidar de quem cuida da floresta”

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