Escrever e ler

Por cada palavra que escrevo recebo 300 para ler. Não admira que eu passe a vida a ler: o negócio é irresistível.

Para uma pessoa que ganha a vida a escrever a economia da actividade é bastante lucrativa. Por cada hora que passo a escrever recebo três horas de leitura. Não é nada mau este retorno: 300 por cento.

Acresce que eu escrevo devagar e leio depressa. Esta crónica pode levar três horas a escrever mas não consigo levar mais de três minutos a lê-la. Por outras palavras, para eu escrever o número de páginas que leio em três horas precisaria de 600 horas.

É difícil não me sentir ladrão. Num dos meus pesadelos recorrentes só posso ler o equivalente do que escrevi. Para ler um livro que me ocupa 6 horas tenho de escrever um livro que me leva 6 anos a acabar. Não há livro que mereça tal preço.

Tudo favorece o leitor. A única consolação do escritor é que um livro, uma vez acabado, pode ser lido milhões de vezes sem esforço adicional por parte de quem o escreveu. Idealmente o autor até já morreu e tudo, não podendo ser contactado para promoções e entrevistas. O livro continua a poder ser lido, ad infinitum. Outra vantagem maravilhosa é a acumulação do que se escreve. Cresce. O que se escreve fica escrito e já não se pode desescrever.

Por cada palavra que escrevo recebo 300 para ler. Não admira que eu passe a vida a ler: o negócio é irresistível. Para mais eu sei na carne quanto custa escrever seja o que for. Aquele parágrafo inocente que parece tão simples, escrito ao correr do pensamento...quanto mais fácil for lê-lo, mais difícil foi escrevê-lo. Dando-lhe valor dá mais prazer devorá-lo.

 

 

 

 

 

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