Jesse Charif, o libanês que trocou a universidade pela pornografia gay

Nasceu no Líbano, é mestre em Géneros Sexuais e Etnicidade e o protagonista de "Refugee's Welcome", o primeiro filme gay para adultos a falar das dificuldades dos refugiados na Europa. Jesse Charif é uma das estrelas do Eros Porto 2018

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Alexa Vachon

Nasceu no Líbano, numa família liberal, no final da guerra civil que, entre 1975 e 1990, devastou o país. Por "sorte", em 2006, escapou das bombas do conflito com Israel, que atingiram sobretudo os subúrbios de Beirute e o sul do território. Emigrou, mais tarde, para a Holanda, onde se tornou mestre em Géneros Sexuais e Etnicidade. Estava tudo encaminhado para se dedicar à vida académica, mas, um pouco por acaso, aventurou-se na pornografia e no erotismo. E é na qualidade de estrela da indústria de cinema para adultos que Jesse Charif está de visita a Portugal, onde vai participar no Eros Porto 2018, que decorre na Exponor, em Matosinhos, até domingo, 11 de Março.

O actor libanês é o protagonista de Refugee's Welcome (2017), curta-metragem realizada pelo mítico Bruce LaBruce e produzida por Erika Lust, realizadora sueca associada a uma nova vanguarda de filmes eróticos de cariz feminista. Trata-se do primeiro filme gay para adultos a abordar as dificuldades dos refugiados na Europa. Charif dá vida a Moonif, um jovem sírio que, depois de abandonar um campo de refugiados, vagueia pelas ruas de Berlim, confrontando-se com perigos e desejos interiores.

O sucesso da película entre a comunidade gay serve de pretexto para esta vinda a Portugal. Jesse Charif, nome artístico, não é conhecido no seu país, de raiz muçulmana, e garante que circula incógnito nas ruas da cidade onde nasceu, numa Beirute onde a comunidade homossexual começa a tentar sair "da bolha em que vive", contou, em declarações à agência Lusa. 

Tendo crescido numa família de pensamento liberal num país islâmico, o facto de ser druso — seita religiosa dissidente dos muçulmanos ismailitas que é influenciada pela filosofia grega, a gnose e o cristianismo — ajudou-o a avançar nas suas convicções sexuais. Em 2015, emigrou para a Holanda, mais precisamente para Utrecht, onde concluiu o mestrado em Géneros Sexuais e Etnicidade. Até que tomou outro rumo. "Há dois anos fiz o primeiro filme, mas isso nem fazia parte dos meus planos, já que a ideia era seguir a vida académica e, entre outras coisas, ser investigador", diz Charif. Na verdade, conta, nunca tinha pensado "seguir a carreira de actor".

No Líbano, reconhece, seria impossível "ser actor porno" — não pensa, por isso, regressar ao seu país natal. Mas está grato por tal ter acontecido no Ocidente, o que lhe permite passar despercebido nas ruas da sua cidade: "Apenas sou conhecido pela comunidade gay, não pela maioria das pessoas, porque esta não consome pornografia".

Comunidade LGBTI no Líbano "está a crescer"

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O actor libanês é o protagonista de Refugee's Welcome Alexa Vachon

Olhando para o seu país, como íntima testemunha de alguns dos conflitos mais sangrentos do Médio Oriente, o jovem actor considera que há "um problema de entendimento sobre o que se passa" naquela região do planeta. "É difícil", admite, "para quem está no Ocidente entender-nos, as pessoas não estão muito despertas para o que está lá a acontecer". Percebe-o, de algum modo. "Entendo que aqui as pessoas vivem a sua vida e nem sempre têm disponibilidade para pesquisar o que se passa e com quem falo é normal assumirem que não tinham noção do que está a acontecer."

Ainda assim, passou a "maior parte da adolescência a não pensar nos problemas" que via a desenrolarem-se à sua frente. Hoje, vê um país em mudança. O Líbano, sublinha, é "conhecido por ser o país mais progressista em termos de vida homossexual", e que muito do turismo "é para conhecer a noite libanesa e mesmo a cultura gay". A comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo) "está a crescer" e, apesar de se manter como uma subcultura, quer "sair da bolha em que vive".

Jesse Charif é uma das três estrelas internacionais convidadas pelo Eros Porto 2018, actuando na área dedicada à comunidade LGBTI, a Fostter My Ass, promovida por Fostter Riviera, o mais conhecido actor português de pornografia gay (e o mais galardoado também). Também presentes estarão Lukas Jesus, de Aveiro, cuja carreira teve início no Eros Porto 2016, e o estreante Pedro Ribeiro, de Rio Tinto. Os espanhóis Stiff Vargas e Zeus Vargas completam a delegação internacional.