Fotografia
O “declínio do privilégio do homem branco” na América
Ao longo de cinco anos, Jason Koxvold fez o retrato da população de uma pequena cidade do vale do Hudson, nos EUA, "eviscerada pela globalização".
O ano de 2004 foi trágico para a população de Wawarsing, no estado norte-americano de Nova Iorque: mais de 500 homens e mulheres, empregados da fábrica de cutelaria Schrade, perderam, num processo de despedimento colectivo, os seus postos de trabalho. O motivo: transferência do local de produção para a China. "Actualmente, uma parcela muito significativa da população ainda se mantém sem emprego e sobrevive apenas com o rendimento que provém do subsídio de inserção", explica do fotógrafo Jason Koxvold, autor do projecto fotográfico e fotolivro KNIVES, em entrevista ao P3. Hoje, os principais empregadores da cidade são a prisão de máxima segurança Eastern Correctional Facility e o Walmart, "ambos conhecidos pelos salários pouco generosos", comenta Koxvold.
KNIVES é um projecto de fotografia documental que se debruça sobre o destino da população da pequena cidade do vale do Hudson, numa época social e economicamente conturbada. Cinco anos passaram desde que Koxvold começou a acompanhar "a evolução de uma cidade cuja base económica se viu eviscerada pela globalização". Wawarsing "serve de microcosmo [de observação] para os grandes problemas que assolam os Estados Unidos presentemente, como os efeitos da automação e do outsourcing [no tecido industrial], os cortes nos serviços públicos e o ressurgimento da política de identidade", explica o fotógrafo.
Durante os últimos 20 anos, ocorreu no país um fenómeno de extinção intensiva de postos de trabalho no sector da produção industrial. Segundo o jornal Financial Times, foram exactamente 5,6 milhões as pessoas que perderam o emprego no sector, apenas entre 2000 e 2010. A causa? Donald Trump professou, em campanha eleitoral, em 2016, que "um dos factores que mais contribui para esta devastação económica é a política comercial desastrosa que vigora nos Estados Unidos" e prometeu implementar medidas proteccionistas, em caso de vitória. O estudo citado pelo FT, porém, garante que o outsourcing não é o factor preponderante, mas sim a automação; o país está a produzir tanto ou mais do que antes, mas com recurso a menos mão-de-obra.
O impacto do discurso "falacioso" de Trump sobre a população de Wawarsing é imensurável. O condado de Ulster, onde se insere a pequena cidade, registou cerca de 40% de votos a favor da presidência de Trump (contra 50% a favor de Hillary), mas o território administrativo tem mais de 180 mil habitantes — e Wawarsing apenas 13 mil. Empiricamente, no entanto, o fotógrafo garante ter assistido a uma forte mobilização popular em prol do candidato republicano.
Koxvold acredita que o fenómeno que deu origem à eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, é comparável ao que originou o Brexit, na Europa. "Aqueles que são afectados pela crise procuram, por norma, um culpado", comenta. "O trabalho não é apenas sinónimo de sustento; para muitos, a perda de um emprego tem impacto ao nível da identidade e do sentido da vida. Neste caso, estamos perante homens brancos que, historicamente, sempre tiveram uma posição segura nos Estados Unidos – e, subsequentemente, no mundo – e que estão a ser forçados a reavaliar o seu privilégio e a lidar com toda a dor que isso provoca." O projecto contém quase exclusivamente retratos masculinos e não é por acaso. "Exploro este período particular em que o homem branco se sente marginalizado", explica. "O conceito de masculinidade assenta em várias camadas de valores; o trabalho é o local onde os homens encontraram um propósito para a sua existência, onde produzem coisas e onde encontram a base para o cumprimento do papel de provedor do seu agregado." E quando isso se torna impossível? O que acontece?
A pobreza generalizou-se em Wawarsing. "Caçar para comer é comum; comem urso e veado, mas também comem coelho e esquilo (...). À medida que as empresas foram fechando, o abuso de drogas, os problemas de ordem psiquiátrica e o desenvolvimento de raras formas de cancro foram surgindo e afectando cada vez mais pessoas", descreve Koxvold. O número de ambulâncias que cruzam diariamente as vias da cidade é, para o fotógrafo, um claro sinal de alarme. "As situações de overdose de opiáceos tornaram-se muito comuns. Creio que a situação na América é muito mais grave do que a maioria das pessoas imagina."
O que reserva o futuro a Wawarsig? "Foram feitas várias tentativas de revitalizar a área, nos últimos anos. Fizeram-se planos para a construção de um casino, mas nunca chegou a acontecer. De momento, um investidor está a construir um campo de jogos, na esperança de que atraia pessoas de todo o condado. É uma incógnita se esta iniciativa irá gerar emprego ou dinheiro."