Fisco acompanha 760 contribuintes com maior património e rendimento
Administração fiscal coloca mini-equipa dedicada ao acompanhamento e inspecção de quem tem mais património. Há duas centenas de contribuintes com capacidade patrimonial acima de cinco milhões.
A equipa de inspectores há muito prometida na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para fazer o acompanhamento especializado e de inspecção dos contribuintes singulares com mais rendimentos e património só este ano está em pleno funcionamento, depois da fase inicial da implementação em 2017.
A tarefa deste núcleo da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), uma área até aqui dedicada em exclusivo às empresas, passa por seguir de perto cerca de 760 pessoas com grande capacidade tributária – uns com rendimentos acima dos 750 mil euros, outros com um património (imobiliário ou financeiro) superior a cinco milhões de euros.
Embora este núcleo de funcionários já tenha sido formado há cerca de um ano dentro da UGC e já tenha começado a dedicar-se a este trabalho na segunda metade de 2017, o ano de 2018 é o primeiro completo em que a equipa de inspectores tem esta nova tarefa em mãos. Dos 195 trabalhadores ao serviço da UGC, o fisco colocou 17 neste projecto, confirma o Ministério das Finanças.
Entre os singulares seguidos pela UGC, 539 têm um rendimento acima de 750 mil euros e 215 têm um património mobiliário e imobiliário superior a cinco milhões de euros; ao mesmo tempo há 42 que têm relações jurídicas e económicas com grandes empresas. A soma destas três situações totaliza o número de indivíduos nos 796. Mas como há 38 casos em que as pessoas preenchem mais do que um dos critérios, o total exacto de singulares acompanhados pela UGC é de 758. Neste universo ainda não estarão contabilizados os contribuintes que o fisco poderá averiguar se se deparar com manifestações de fortuna semelhantes a estes níveis de rendimento e património – outro dos critérios para alguém ser fiscalizado por esta unidade especializada.
Até 2016, o papel da UGC cingia-se ao acompanhamento das maiores empresas a operar no país – as que pagam mais de 20 milhões de euros em impostos ou têm um volume de negócios superior a 200 milhões de euros (100 milhões no caso dos bancos e seguradoras). São cerca de 420 sociedades, do sector financeiro ao petrolífero, passando por empresas da distribuição e retalho, operadoras de telecomunicações, construtoras e centros hospitalares EPE.
Passo a passo
Com o alargamento de competências aos singulares chegaram também poderes reforçados para toda a UGC, ao ter ganho capacidade de decisão ao nível dos processos executivos fiscais, até aqui concentrados noutros serviços.
A UGC ficou sob maior atenção mediática quando se soube que o fisco abdicou de cobrar à Brisa 125 milhões de euros de IRC, dando razão à concessionária relativamente ao tratamento fiscal a dar à operação de venda (2010) de uma participação de 16,35% na Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), no Brasil, por cerca de 1300 milhões de euros.
Agora, não apenas as empresas estarão na linha da frente da acção da UGC. Em resposta a uma pergunta do grupo parlamentar do PCP na semana passada, o chefe de gabinete do ministro das Finanças, André Moz Caldas, confirmava que só a partir deste ano de 2018 é que a UGC iria “passar também a acompanhar grandes contribuintes singulares”. Quanto aos números globais da cobrança da UGC, antes desta reformulação, estimava a receita de 2017 nos 19.000 milhões de euros.
Questionado pelo PÚBLICO na sequência da resposta dada à bancada comunista, o Ministério das Finanças esclareceu os passos percorridos no fisco para pôr de pé esta unidade: em Janeiro de 2017 foi aprovado o cadastro das pessoas singulares de elevado património; cumprido esse passo, os contribuintes foram notificados de que passavam a ser acompanhadas por esta unidade especializada; a equipa de acompanhamento seria criada nesse primeiro trimestre de 2017; de seguida, iniciava-se “o processo de estruturação da equipa e do seu modelo funcional”; depois, começava o trabalho efectivo no segundo semestre; e “só agora se verifica integralmente, durante todo o ano, o pleno funcionamento daquela equipa”.
Início com a troika
A discussão sobre o trabalho que a AT está a fazer para acompanhar os contribuintes de elevada capacidade patrimonial (os chamados CECP) ganhou maior expressão em Portugal quando no final de 2015 José Azevedo Pereira, na altura já ex-director-geral do fisco (2007 e 2014), deu uma entrevista à SIC Notícias a afirmar ter ideia de que a equipa dedicada a escrutinar os contribuintes mais ricos estaria desagregada.
Antes de ser criada a UGC em 2012, já existia na AT uma unidade de inspecção e auditoria tributária das grandes empresas e do sector financeiro, à qual pertencia o actual director da UGC, João Paulo Canedo.
Com o tema na praça pública, a directora do fisco, Helena Borges, viria a afirmar no Parlamento em Janeiro de 2016 que a equipa estava de pé e a funcionar na Unidade de Gestão da Relação com os Contribuintes (UGRC). Ainda em 2012, com o apoio técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI), tinha sido criado um projecto para acompanhar esses contribuintes. E mais tarde, já no final de 2014, passaria a estar integrado na UGRC.
Ao todo, o fisco já tinha identificado 240 contribuintes que directa ou indirectamente detinham mais de 25 milhões de euros em património e/ou cinco milhões de euros de rendimentos. E acabaria por conduzir acções de controlo junto de quatro dezenas em 2015.
Num documento da AT entregue aos deputados em Janeiro de 2016, o fisco lembrava que as administrações fiscais e a OCDE têm vindo a identificar quatro características específicas a estre grupo, os CECP: “Património disseminado por empresas participadas, trusts e fundações; mobilidade internacional e residência fiscal; acompanhamento especializado por consultores fiscais; estruturas e contas bancárias em offshore”. Uma realidade a ter em conta pelo novo núcleo da UGC.
Uma das constatações recentes do Tribunal de Contas (TdC) sobre o trabalho da UGC, ainda antes desta reformulação, foi apresentada no parecer à Conta Geral do Estado de 2016, onde a entidade liderada por Vítor Caldeira notava o “reduzido contributo” da inspecção tributária para a receita fiscal, em particular da UGC, “mesmo com o impacto excepcional” do programa de regularização de dívidas fiscais (e à Segurança Social) lançado nesse ano.