Líderes religiosos contra eventual proibição da circuncisão
A proposta de lei visa proibir a prática desta intervenção quando não se trate de uma necessidade médica. Judeus e muçulmanos sentem-se reprimidos.
A Islândia está a estudar a possibilidade de proibir a circuncisão quando não se baseie em razões de saúde. Um projecto de lei que foi apresentado prevê uma pena de prisão de seis anos para quem proceder à “remoção de parte ou de todos os órgãos sexuais masculinos”.
Em causa, argumenta a deputada autora da proposta, do Partido Progressista, Silja Dögg Gunnarsdóttir, está a protecção dos direitos das crianças e não de uma questão de liberdade religiosa. Mas a proposta está a ser criticada por líderes religiosos de diferentes quadrantes.
O projecto de lei foi apresentado este mês por Silja Dögg Gunnarsdóttir. Caso seja aprovado, a Islândia tornar-se-á o primeiro país europeu a proibir legalmente a circuncisão.
“Todos têm o direito de acreditar no que quiserem, mas os direitos das crianças estão acima do direito a acreditar”, defendeu Silja Dögg Gunnarsdóttir, citada pela BBC. Os apoiantes da proposta lembram que, em 2005, o país aprovou uma lei a proibir a mutilação genital feminina e defendem que a intenção é defender os mesmos direitos visados nessa lei.
Actualmente, na Islândia a circuncisão é considerada uma intervenção que causa “dor severa” e envolve “mudanças permanentes no corpo da criança”. Este projecto de lei abriu o debate sobre questões éticas e de direitos humanos, que desagrada a líderes religiosos.
A 13 de Fevereiro, as Comunidades Judaicas Nórdicas escreveram uma carta aberta aos deputados islandeses. No documento, assumem-se “preocupados” com a proposta legislativa e “protestam veementemente” contra a proibição da circuncisão nos bebés (Brit Milah). "A Islândia seria o único país a banir um dos ritos mais centrais, se não o mais central, da tradição judaica nos tempos modernos", argumentam na carta. “Ao longo da história, mais do que um regime opressivo tentou reprimir o nosso povo e erradicar o judaísmo através da proibição das nossas práticas religiosas.”
O imã Ahmad Seddeeq, do Centro de Cultura Islâmica da Islândia, também criticou o projecto de lei, considerando que vai contra a liberdade religiosa. O bispo de Reiquejavique juntou-se ao coro de críticas, referindo o perigo de se estar a "criminalizar" as duas religiões e de, quer judeus quer muçulmanos, deixarem de se sentir bem-vindos no país. "Devemos evitar todo o tipo de extremismos", disse, citado pela BBC.
Circuncisão pelo mundo
A circuncisão, ou postectomia, é a retirada cirúrgica do prepúcio, a parte da pele que cobre a glande. Na maior parte dos casos, é feita por motivos religiosos, mas também pode ter motivos clínicos, em casos de fimose, por exemplo, quando a extremidade do prepúcio se estreita impedindo que a glande seja exposta. A sua prática não é consensual e divide opiniões.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a circuncisão é uma rotina. Na Europa, apesar de ser uma prática legal, existem algumas opiniões controversas. Em Portugal, a circuncisão à nascença só acontece — regra geral — quando um problema de saúde o justifica.
Em 2012, um tribunal alemão considerou que o procedimento implicava "danos corporais graves". O julgamento provocou uma grande polémica entre muçulmanos e judeus, para quem a circuncisão é essencial. Pouco depois, Berlim definiu legalmente que a circuncisão era permitida, sendo que deveria ser realizada por um médico ou um responsável com treino certificado, com o meio mais eficaz de redução da dor. Além disso deve ser garantido que os pais têm acesso a informação completa sobre o procedimento cirúrgico.
Um ano depois, em 2013, o Conselho da Europa adoptou uma resolução que aconselhava os Estados-membros a tomarem medidas contra as “violações da integridade física das crianças”, nomeadamente proibindo as mutilações genitais femininas e que sejam definidas as condições para outras práticas religiosas, como a circuncisão.
Apesar de ser uma intervenção simples, existem riscos associados. Ainda assim, um estudo conduzido no Uganda cita a diminuição do risco de contrair vírus de herpes genital (HSV-2) ou o vírus do papiloma humano (HPV).