Até os gatos vão sair do Bolhão (e podem ir morar para sua casa)
Fazem parte do Mercado do Bolhão, por muito que alguns comerciantes passem o tempo a enxotá-los das bancas. Outros, até camas lhe fazem aos seus pés. Na antecipação das obras, o PAN e duas associações pelos direitos dos animais querem arranjar-lhes outra casa. Quem quer acolher um gato do Bolhão?
São muitos os clientes que, quando param na banca de Rosa Maria, se encantam não com o que está à venda mas com quem se esconde por baixo da mesa. É que foi ali que Francisca, uma gata de pêlo cinzento e temperamento meigo, decidiu que ia passar a dormitar. “Ela começou por ir para a banca da minha colega, mas deitava tudo ao chão e aquilo não resultou bem”, conta ao PÚBLICO a comerciante de 50 anos, quarenta deles passados ali, no Mercado do Bolhão, no Porto.
De relações quase cortadas com a outra lojista, Francisca começou a conquistar Rosa Maria que, por afecções de nome, antes só comprava comida para a Maria, outra das gatas que mora no Bolhão e que terá de encontrar uma nova casa quando o mercado entrar em obras.
É isso que Bebiana Cunha, representante do PAN na Assembleia Municipal do Porto, e cinco voluntários de duas associações de protecção animal andaram a tentar fazer durante a manhã do Dia Mundial do Gato, que se celebra a 17 de Fevereiro. “Esta gata, se calhar, ia melhor consigo”, tenta António Manuel, da Miacis, uma organização que promove o controlo populacional de animais errantes. “Não posso. Sabe que eu já tenho dois que também trouxe daqui, depois de alguém os ter abandonado”, devolve Rosa Maria. “Eu bem que ando a ver se arranjo alguém que a leve, mas não está fácil.”
Há cerca de três semanas, quando tentaram fazer a primeira contagem, além de Francisca, registaram mais 14 gatos. Depois de uma visitante ter levado para adopção quatro crias e a mãe, este sábado, restavam dez. “Estamos a prever que destes metade sejam adoptáveis”, diz Bebiana Cunha. Os restantes, com temperamentos pouco dados a pessoas e espaços fechados deverão ser esterilizados e posteriormente reintroduzidos em colónias preexistentes.
Quem quer acolher um gato?
“Não é fácil, porque era necessário estar definido em termos políticos um programa para estas situações, quando um edifício que albergava animais entra em obras”, defende a representante do PAN. “Aqui, como há uma relação de proximidade muito grande com alguns dos gatos, aquilo que nos parece é que alguns deles serão adoptáveis.” E por isso é que este sábado lançaram oficialmente a campanha “Quem quer acolher um gato do Bolhão?”, através da divulgação das fotografias destes animais na página de Facebook do grupo informal de activismo “Porto pelos Animais”, para que possíveis adoptantes os possam conhecer.
“Queremos que este seja um exemplo e uma oportunidade de reflexão para todos sobre a necessidade de encontrar soluções para os animais que só estão na rua porque um dia alguém lá os pôs”, diz Bebiana Cunha. Segundo a mesma, a Câmara do Porto já tinha garantido que ia conduzir a captura destes gatos aquando o início das obras, mas o PAN e os voluntários que têm acompanhado o processo acreditam que é preciso agir já, antes que os animais deixem de receber comida dos comerciantes e abandonem o mercado.
É esta problemática que António Manuel, 57 anos, enquanto voluntário na Miacis, encara todos os dias. É a sua associação que agora os vai tratar de capturar e António não acredita que o processo vá ser fácil. “Vamos ter de pedir aos comerciantes para que não os alimentem, para depois conseguirmos atraí-los para as gaiolas com comida”, explica, garantindo que as capturas são sempre feitas “sem causar nenhum sofrimento físico ao animal”, apesar de envolver “algum stress porque o gato não gosta de estar fechado”.
Depois, começa o processo de triagem dos candidatos a adoptarem um gato do Bolhão, que começa com o preenchimento de um formulário online. “Estes gatos precisam de ter adoptantes especiais”, avisa, “porque são gatos que não estão habituados a viver em domicílios ou a estar no colo de ninguém”. E deixa desde logo o alerta: “quando entrarem numa casa vão fazer muitos estragos”.
Processos “muito complexos”
Ainda assim, espraiam-se pelo chão, ao sol, alguns exemplares “que se adaptarão muito bem”, acredita. “Também é de salvaguardar que alguns animais, depois de esterilizados, ficam mais dóceis”, adianta.
O processo de realojamento dos animais identificados para adopção deverá demorar entre três semanas a um mês, diz. Isto porque os gatos terão de ser “colocados num local onde irão ser alimentados todos os dias e se vão habituar aos novos ruídos e novos cheiros”. “São processos muito complexos e nem sempre têm bons resultados.”
Um “bom final para isto tudo” é precisamente o que Graça Soares, 58 anos, espera. O principal nicho destes animais fica a poucos metros da banca desta peixeira que não fica chateada quando algum lhe rouba uma sardinha. Até porque ela é que arranja chatices com os colegas por todos os dias lhes dar comida, conta. Diz, no entanto, não se arrepender “nem um bocadinho”. “Como eu em Março vou embora e não volto nunca mais, quero sair e ficar descansada. O que eu peço é que os bichinhos que pertencem aqui não andem por aí, ao deus-dará”, remata, antes de lhes atirar mais um peixe.