Será que os portugueses não querem trabalhar?
Que explicações existem para a existência de vagas de emprego não preenchidas, em países onde há desempregados?
As primeiras páginas dos jornais da semana que passou deram destaque às declarações de Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, que afirmou que “qualquer empresa que queira contratar pessoas não consegue”, concluindo, de seguida, que “os portugueses não querem trabalhar”.
Uma pessoa é considerada desempregada sempre que esteja disposta a trabalhar, activamente à procura de emprego, e não encontre trabalho. A classificação de um indivíduo como desempregado é feita através do inquérito ao emprego, realizado trimestralmente pelo Instituto Nacional de Estatística, e pressupõe uma série de características verificadas pelo inquiridor. Não basta uma pessoa declarar-se desempregada para ser classificada enquanto tal pela autoridade estatística. Por outro lado, os desempregados que recebem subsídio de desemprego perdem o direito ao mesmo se recusarem um “emprego conveniente” proposto pelo centro de emprego em que estão inscritos. Nem o sistema de classificação estatística de desempregados nem o funcionamento dos centros de emprego é isento de falhas. Mas também não é provável que as vagas de emprego a que Ferraz da Costa se refere, sendo sugeridas a desempregados para quem sejam convenientes, sejam por estes recusadas por falta de vontade de trabalhar.
A coexistência de ofertas de emprego não preenchidas e de desempregados é tão frequente que os economistas lhe deram, até, um nome: a curva de Beveridge, em honra do economista inglês William Beveridge que, em 1944, discutiu pela primeira vez a relação entre estas duas variáveis. A curva de Beveridge é a representação gráfica da relação entre a taxa de desemprego (que se obtém dividindo o número de desempregados pela população activa) e a taxa de ofertas de emprego — ou vacancy rate, em inglês. Obtém-se dividindo o número de ofertas de emprego pela soma entre estas e os empregos, sendo uma medida de procura de trabalho não satisfeita, por parte das empresas — dá-nos a percentagem do total de postos de trabalho que estas “disponibilizam” e que não estão preenchidos por uma trabalhadora. Normalmente, quanto maior a vacancy rate, menor a taxa de desemprego, com períodos de recuperação económica caracterizados por mais vagas e menos desemprego, e inversamente em períodos de contracção.
Os dados do Eurostat para 2017 (média dos primeiros três trimestres do ano) mostram-nos que Portugal é, junto com a Bulgária, o país da Europa com a vacancy rate mais baixa, com um valor de 0,9%. Os países com as vacancy rates mais elevadas, para o mesmo período, eram a República Checa com um valor acima dos 3,5%, seguida pela Alemanha, com 2,7%. Seguindo a sugestão de considerar as vagas não preenchidas como indicação de falta de vontade de trabalhar, podemos concluir que há europeus — incluindo os alemães — com menos vontade de trabalhar do que os portugueses.
Estes números para o total da economia escondem, habitualmente, diferenças consideráveis entre sectores e, sobretudo, qualificações profissionais. Por exemplo, nas actividades especializadas, técnicas e científicas, Portugal tem uma vacancy rate, em 2017, de 2,1%. Neste caso, está a meio caminho entre a Bulgária e a República Checa que têm também neste sector, respectivamente, as vacancy rates mais baixa e mais alta da União Europeia. O número aumenta para 2,5% quando nos restringimos ao universo das empresas com mais de dez trabalhadores. Ou seja, não parecendo haver evidência para a afirmação de que “qualquer empresa” não consegue contratar, há certamente empresas em Portugal que têm dificuldade em preencher as vagas de emprego que anunciam.
Que explicações existem para a existência de vagas de emprego não preenchidas, em países onde há desempregados? O mercado de trabalho não funciona como os restantes. Por exemplo, se uma pessoa quer comer um iogurte, vai ao supermercado e escolhe o seu preferido (natural ou com sabor, com ou sem pedaços, biológico ou não). Claro que até provar um determinado tipo de iogurte não sabe se este lhe agrada e se vale — para o consumidor — o preço que custa. Mas é muito fácil, barato e rápido testar novos tipos de iogurte. Quando uma empresa procura uma trabalhadora, dependendo da função que esta vai exercer, pensa nas qualificações e experiência que pretende encontrar numa candidata ideal. Nem sempre encontrará com facilidade o que procura. Por outro lado, uma parte fundamental da qualidade da relação entre o empregador e o empregado depende de características de ambos que só se descobrem com o tempo e envolvem uma aprendizagem no próprio exercício de funções; não são perceptíveis na primeira entrevista, nem nas primeiras semanas de trabalho. Num mercado com estas características, dito de matching, é expectável que coexistam pessoas sem emprego, mas que querem trabalhar, e empresas que procuram trabalhadores. Por vezes, as competências dos trabalhadores disponíveis não correspondem ao que as empresas procuram. Outras vezes, o trabalhador não reside na região da empresa que o poderia empregar, e pode até nem ter informação acerca da vaga anunciada. Existem vários aspectos — como o grau de generosidade do subsídio de desemprego ou a atractividade do emprego que a pessoa espera poder encontrar — que podem condicionar o esforço de procura de emprego e, consequentemente, o tempo que demora até o indivíduo encontrar a oferta de emprego que lhe convém.
Em 2010, a economia americana começava a sair da recessão, observando-se um aumento na vacancy rate sem que, no entanto, a taxa de desemprego descesse. Nessa altura, o Presidente do Minneapolis Federal Reserve Bank comentou desta forma essa situação: “As empresas têm empregos, mas não conseguem encontrar os trabalhadores apropriados. Os trabalhadores querem trabalhar, mas não conseguem encontrar empregos apropriados.” Deixo esta sugestão de uma explicação com maior fundamento científico, mais neutra e menos moralizadora para os trabalhadores portugueses.
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