Um lugar simples e confortável. É assim a Pensão Destino, em Castelo de Vide, que não fica no centro da vila alentejana, mas à sua entrada, precisamente na antiga estação ferroviária que ainda tem as pedras calcetadas com o nome pré-acordos ortográficos — Castello de Vide.
Caiada de branco, com a risca amarela e os azulejos do mesmo autor dos da Estação de São Bento, no Porto, Jorge Colaço, o espaço onde os comboios paravam chegou a ganhar um prémio em 1948, no concurso das estações florais. As portas e as janelas foram pintadas de azul e estão ali desde sempre, mas quando se entra não há bilheteira nem o gabinete do chefe da estação. É como se entrássemos em casa de uns amigos. Neste caso, quem nos recebe é Ana Patrício, a dona da Pensão Destino, um espaço que é dela o tempo que durar o seu contrato com a Refer. Foi há alguns anos que Ana Patrício leu a notícia que haveria estações que seriam desactivadas e, por isso, ligou para a empresa a perguntar se não poderia comprar ou arrendar. Terá sido das primeiras pessoas a ter essa ideia, acredita. No resto do país existem, pelo menos, outras duas estações que também se converteram à hospedagem.
Há muito que Ana Patrício sonhava com um B&B, um bed and breakfast, e até já tinha o nome, Pensão Destino, por isso, “foi interessante” quando pensou adaptar o conceito a uma estação de comboios, conta, sentada na sala de refeições, junto à cozinha que pode ser usada por qualquer hóspede, a qualquer hora. Embora seja ribatejana, o Alto Alentejo já fazia parte da sua vida. “Passava férias em Castelo de Vide com regularidade e um dia li no jornal que tinham encerrado o ramal de Cáceres. A estação é muito bonita, é como se estivesse inserida numa pequena reserva natural, dentro do parque da serra de São Mamede”, descreve. Por isso, fazia todo o sentido ser ali a sua Pensão Destino, onde as pessoas pudessem descansar e estar em contacto com a natureza.
“Depois de ter tido a ideia, telefonei à Refer, conversámos, obtive o seu apoio e tratei de concorrer a um apoio comunitário — o Proder. Todo o processo demorou cerca de três anos: apresentar a candidatura, esperar pelo resultado, assinar um contrato, encontrar um construtor e fazer as obras. Mas foi um tempo criativo. Serviu para procurar mobílias, recuperá-las, pintá-las, por exemplo. Abrimos em 2015, na Páscoa”, continua. O espaço foi essencialmente decorado com mobílias antigas, pintadas com cores mais sóbrias e outras mais garridas. Não há um único quarto igual, pois cada um foi mobilado com as peças que Ana Patrício foi descobrindo, mas todos têm um aspecto confortável e familiar.
E familiar é a relação que os hóspedes estabelecem não só entre si como com Ana Patrício e Anabela, a sua colaboradora. A mesa do pequeno-almoço pode ser ruidosa e cheia de gargalhadas com o casal irlando-britânico que viu a sua quinta, nas Aldeias de Xisto, destruída pelos incêndios do Verão, e vieram descobrir o Alentejo; e mais sossegada com os ingleses que chegaram para fazer turismo de natureza e longas caminhadas pelo Parque Nacional da Serra de São Mamede, que tem uma enorme diversidade de vegetação e vida selvagem.
Fazer coisas diferentes
As pessoas são bastante eclécticas, diz Ana Patrício, ali também ficam os judeus que chegam de todo o mundo ou de Israel para visitar a judiaria no centro de Castelo de Vide, onde ainda há vestígios da sinagoga. “Acho que este conceito pode agradar a quase todas as pessoas. Há imensos estrangeiros que vêm pela segunda vez a Portugal e querem conhecer esta parte do interior, há pessoas que viajam de carro e pernoitam a caminho dos seus países; muitos espanhóis, pela proximidade. E amantes da natureza, caminhantes, observadores de pássaros”, enumera.
E depois cada um faz coisas diferentes. Há quem queira simplesmente ficar por ali, abrir a janela e não ver passar o comboio porque não só a estação como a linha foi desactivada. Ainda assim, o comboio passa pelo menos uma vez por mês, muito devagar, para manutenção. Ficar a ler ao sol, no sossego de um Alentejo onde as planícies escasseiam, mas há montes e terras para visitar. A região é rica em monumentos megalíticos e existem mais de 50 vestígios, destacando-se o Menir da Meada — o maior, totalmente talhado pelo homem, em toda a Península Ibérica, recorda Ana Patrício.
No Verão, nas barragens da Póvoa e da Apartadura, é possível nadar, pescar e fazer outras actividades ao ar livre. Além destas, existem as piscinas fluviais da Portagem (de acesso gratuito), onde se pode também ver uma ponte romana; ou então as águas límpidas das cascatas da Rabaça e do Monte Sete, na localidade de São Julião. “Há pessoas que conseguem visitar imensas coisas num só dia. Para estas, a localização é central em relação a locais muito bonitos, portugueses e espanhóis. Cidades como Cáceres, Mérida, Évora, Elvas ficam a uma hora de caminho”, sublinha Ana Patrício, que gosta de dar dicas sobre onde comer ou onde comprar bons azeites, queijos e bolos regionais. Além de Castelo de Vide, mais perto ficam Nisa, Portalegre ou Marvão.
Mas a Pensão Destino também é um óptimo lugar para trabalhar. Que o digam os escritores que rumam ao Alto Alentejo religiosamente para ali encontrarem o isolamento e a concentração que precisam para criarem. Entre os clientes “da casa”, Ana tem também uma editora que aproveita para ler as obras que vai editar, assim como fotógrafos. “Quando há o rally de Portalegre recebemos pessoas da Yamaha. Tivemos cá o Stephan Peterhansel, que é muito conhecido por ter ganhado imensas vezes o Paris-Dakar. É o senhor Dakar. E são todos muito simpáticos. Reencontrar hóspedes é uma das melhores sensações deste trabalho. Também é óptimo quando chegam pessoas que dizem: ‘Eu sou amigo do João, ele recomendou-nos este lugar e manda cumprimentos’”, recorda a dona da pensão.
A Fugas esteve alojada a convite da Pensão Destino