Governo tem de mudar classe de portagem em cada contrato de concessão

PSA de Mangualde pediu alterações até Julho. Mas é quase impossível que se concretizem num espaço de tempo tão curto. Negociação sobre mudanças nas tarifas de portagens ainda nem sequer arrancou.

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Alterações nas classes de portagem voltaram a estar em cima da mesa depois da ameaça de deslocalização feita pela PSA de Mangualde Miguel Manso

Desde Julho do ano passado que o Governo tem nas suas mãos um relatório com as conclusões de um grupo de trabalho - integrado pela Associação Automóvel de Portugal (ACAP) - a apontar para os benefícios de alterar a classificação dos veículos em quatro classes distintas para efeitos de aplicação de tarifas de portagem em auto-estradas. E se logo nessa altura o Ministério do Planeamento e Infraestruturas, que também integrou o referido grupo de trabalho, deu a entender a concordância e a razoabilidade dos argumentos invocados - de que mais importante do que o critério da altura, medida à vertical do primeiro eixo do veículo, deveria ser o peso, e o impacto que tem, por exemplo, no desgaste do pavimento - a realidade é que desde então ainda não deu o pontapé de saída para tornar essas alterações uma realidade.

Tal implica chamar para a mesa das negociações todos os parceiros privados que estão envolvidos nas concessões de auto-estradas. Isto numa altura em que ainda não estão concluídos os processos de renegociação que arrancaram na sequência do período de assistência financeira e da aplicação de medidas de discriminação positiva nas portagens em auto-estradas do interior.

Quando há cerca de duas semanas o director-geral do grupo Peugeot-Citroen (PSA) em Portugal disse que iria aguardar até Julho deste ano para perceber se essas alterações avançavam, deu a entender que em causa estaria a manutenção de 700 postos de trabalho na fábrica de Mangualde. Isto porque é nesta fábrica do distrito de Viseu que começará a ser produzido o novo modelo de veículo comercial que vai substituir a Citroen Berlingo e a Peugeot Partner. O nome provisório é K9 e a PSA tenciona atingir uma produção anual de 100 mil veículos, pretendendo destinar 20 mil ao mercado português. Porém, argumenta o grupo, estes veículos são prejudicados no caso português pelas tarifas de portagem que lhe são aplicadas e que consideram estar desajustadas das imposições europeias em relação a matérias de segurança. Pela actual legislação, o automóvel deveria ser tarifado com uma taxa de portagem da Classe 2. O que no caso de uma viagem na A1, entre os Carvalhos e Alverca implicaria pagar 38,45 euros, em vez dos 22,15 euros que pagaria se lhe fosse Classe 1.

A reclassificação de veículos nas várias classes de portagens foi inclusive alvo de uma petição que chegou à Assembleia da República com mais de 11 mil assinaturas e que foi objecto de apreciação em plenário em Setembro de 2017, culminando numa iniciativa legislativa.

Porém, esta iniciativa não pode avançar sem antes haver um processo de negociação com todas as concessionárias das auto-estradas. Pedro Melo, especialista em Direito Público da sociedade de advogados PLMJ, explica que esse é o procedimento recomendável ao Governo para alterar cláusulas contratuais. “As bases de concessão estão vertidas num decreto-lei. O Governo não pode simplesmente publicar um novo decreto-lei a modificar o primeiro, sem negociar com os parceiros privados, sob pena de estar a introduzir alterações a uma cláusula contratual de forma unilateral, ainda por cima uma cláusula que tem impacto na remuneração da concessão. Isso daria lugar a pedidos de reequilíbrio financeiro”, explica o jurista.

Evitar os tribunais

O esforço do Governo deverá passar, pois, por tentar minimizar esses custos. Já houve decisões unilaterais que alteraram as cláusulas dos contratos — por exemplo, a decisão de introduzir portagens nas auto-estradas SCUT. Mas a intenção do Governo é evitar pedidos de reequilíbrio financeiro e processos em tribunal, avançando pela via negocial. 

E terá de o fazer contrato a contrato, como confirmou Pedro Melo, uma vez que as alterações que o Governo pretende introduzir nos diplomas (isto é, nas normas em cada um dos decretos-lei que fixaram as bases dos contratos de concessão ou as cláusulas dos respectivos contratos) não devem prejudicar a natureza contratual de cada uma das concessões.

Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP, disse ao PÚBLICO que há formas de perceber o real impacto desta medida em termos de receitas dos privados. E, escusando-se a divulgar as conclusões que foram vertidas no já referido relatório do grupo de trabalho, limitou-se a mencionar o conceito de elasticidade de procura. “Parece-nos óbvio que a venda deste tipo de veículos em Portugal tem sido prejudicada por causa desta divisão em classes. Não temos dúvidas que estes veículos só são comprados por quem evita, ou pode evitar, a utilização de auto-estradas e o pagamento de portagens. Se a reclassificação os colocar nas tarifas de Classe 1, haverá mais veículos a usar as auto-estradas e as receitas das concessionárias irão, eventualmente, aumentar”, argumenta.

Ao que o PÚBLICO apurou, o Governo pretende arrancar estas negociações precisamente com a Brisa, a concessionária que detém a maior rede de auto-estradas a nível nacional. Porém, e apesar do anúncio já há mais de um ano da intenção de rever este contrato - em entrevista ao PÚBLICO, em Outubro de 2016, Pedro Marques referiu-se ao dossiê Brisa como “uma espécie de elefante na sala” - a verdade é que actualmente ainda está a aguardar publicação o despacho que vai nomear os elementos da respectiva Comissão de Negociação.

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