Indústria do calçado meteu as malas no negócio

Depois das marcas ou do design a indústria do calçado descobriu que as peles não devem ter os sapatos como destino exclusivo. Nos últimos anos, o valor das malas, cintos ou carteiras exportados triplicou

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Portugal triplicou, entre 2011 e 2016, o valor das exportações dos artigos de marroquinaria Paulo Pimenta

A APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Peles e seus Sucedâneos) foi durante anos o acrónimo longo e vagamente impronunciável da organização que representava os fabricantes nacionais de sapatos, botas, solas, moldes, bicos ou gáspeas. Já não é assim. Pela primeira vez, as suas duas últimas letras começam a fazer sentido. Entre 2011 e 2016 o valor das exportações dos artigos de pele fabricados em Portugal triplicou, atingindo os 178 milhões de euros. Numa análise mais fina, as vendas ao exterior de malas de pele aumentaram 240% no mesmo período, chegando aos 92 milhões de euros. O sucesso recente da indústria que opera na área da marroquinaria, que fabrica cintos de pele, braceletes para relógios caros ou malas de senhora fez com que o número de empresas aumentasse 6%, para as 120, e o número de trabalhadores crescesse 58%, situando-se há um ano (últimos dados disponíveis) nos 1546 postos de trabalho.

“Temos de acelerar neste segmento”, diz, confiante, Luís Onofre, o presidente da associação dos industriais do calçado. Em Milão, onde até terça-feira estarão 94 empresas nacionais do sector numa mostra que é considerada a mais importante do mundo, a Micam, há apenas quatro marcas representadas na área dedicada em exclusivo à área das peles. Mas não é aí que se pode medir o interesse da indústria no futuro das peles. Algumas destas empresas, como a Marta Ponti, da Amadora, a Elenco, de Avintes ou a Rufel, de São João da Madeira, especializaram-se há mais de 40 anos no fabrico de malas, em especial para senhoras. São as pioneiras. Outras, como a Fly London, criaram há apenas dois anos unidades de produção especialmente dedicadas a este sector, funcionando como pontas-de-lança de uma estratégia que está a contagiar a indústria. Luís Onofre confidencia que está à procura de um parceiro para lançar a sua própria linha de malas para senhora. Outras empresas presentes estão já a apresentar as suas malas ou carteiras ao lado do calçado que produzem.

O apetite pela área industrial das peles e dos seus sucedâneos não se resume, porém, às empresas instaladas. Empresas como a Bradco, de Castelo de Paiva, que reúne capitais suíços e portugueses, ou a Multicuirs, uma empresa helvética que está em Santa Maria da Feira com um plano de investimentos que vai criar 200 postos de trabalho, são mais uma prova do potencial nacional nesta área de negócio. A indústria do calçado portuguesa distingue-se pela sua aposta na pele e o saber-fazer industrial no tratamento desta matéria-prima, no corte ou na sua costura parecem ser uma vantagem competitiva. O que mudou nos últimos anos foi a incorporação de design e a aposta nas marcas próprias, num processo idêntico ao que foi seguido pelo calçado. A Elenco, por exemplo, começou a participar na feira de Milão há apenas três anos e já exporta metade do que produz – “Está a correr muito bem”, diz José Vasco, administrador. E a Marta Ponti vende 70% do que produz no estrangeiro - uma das suas vantagens, diz Orlando Sousa, está no processo de curtimenta da pele, que é feita com produtos vegetais e ecológicos, em detrimento dos tratamentos químicos.

Com cada vez mais empresas a colocarem malas, cintos ou carteiras ao lado de sapatos, o segmento das peles promete tornar-se um factor crítico para alimentar o crescimento nas exportações que os filiados da APICCAPS mantêm desde 2010 - os dois últimos anos, o ritmo abrandou para os 3%.

Não é fácil disputar o campeonato de uma indústria onde entram países sofisticados como o Reino Unido ou a França e produtores com mão-de-obra mais barata como a Turquia ou o Bangladesh. “A concorrência é cada vez maior, quer na exportação quer ao nível interno, onde há cada vez mais empresas”, diz Leandro Moreira, da Walkerflex, uma empresa de Felgueiras. Uma volta pela Micam, onde estão presentes 1364 empresas de todo o mundo (Portugal é terceiro país em número de expositores, depois de Itália e da Espanha) é suficiente para se perceber a dureza da prova que os empresários portugueses têm de enfrentar. E ao nível interno, fruto do sucesso dos últimos anos, o número de novos investidores não tem parado de crescer: em 2010 havia 1245 empresas recenseadas, no ano passado eram já 1524.

A criação de marcas com design próprio ou a instalação de redes logísticas de distribuição foi até agora um factor crítico que explica a continuada subida das exportações até aos 1982 milhões de euros, em 2017. A chegada às empresas das segundas ou terceiras gerações de famílias industriais, muitos licenciados em Portugal ou em universidades estrangeiras, facilitou a instalação da ideia segundo a qual, para lá de uma indústria, o calçado é hoje um negócio baseado nos serviços e na engenharia. Como os que a All Hour Zen, de Argoncilhe, quer desenvolver, investindo 450 mil euros em tecnologia que lhe permitirá fazer sapatos a partir de imagens dos pés de clientes captadas em três dimensões num qualquer lugar do mundo e enviadas para a fábrica. A “personalização”, que já é feita por algumas empresas, está a disseminar-se na indústria.

Para manter o rumo de crescimento, as empresas sabem também que não podem contar com o mercado nacional – mais de 95% da produção é exportada para 152 países. A aposta na internacionalização terá de ser mantida, dizem. Paulo Alexandre Ferreira, secretário de Estado Adjunto e do Comércio diz que Portugal já investiu 180 milhões de euros na promoção externa da economia nacional, e nada leva a crer que os apoios públicos usados por pequenas empresas para se mostrarem em certames como o de Milão estejam a acabar. Mas depois do esforço na criação de marcas, do investimento na tecnologia, no design ou na entrega de encomendas com rapidez, a indústria reunida na APICCAPS precisava de um suplemento de alma. Pode tê-lo encontrado nas peles e no fabrico de malas. 

 

Notícia alterada às 10.36 corrigindo o nome do secretário de Estado Adjunto e do Comércio.

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