Por um dia, as Coreias voltaram a ser uma só
A entrada da delegação unificada no estádio de Pyeongchang marcou a cerimónia de abertura dos Jogos de Inverno. Presidente do COI elogiu "poder unificador" demonstrado pelas duas Coreias.
Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang foram oficialmente inaugurados sob o signo da paz, em especial entre as duas Coreias, que marcharam juntas durante a cerimónia de abertura. Este sábado, o Presidente sul-coreano vai ter uma reunião de alto nível com responsáveis norte-coreanos.
Ninguém quis ocultar o facto de que os Jogos que se prolongam até Março passaram a ficar dotados de uma aura especial a partir do momento em que se tornaram no pretexto para uma reaproximação entre Seul e Pyongyang. Este tipo de cerimónia é conhecida por tentar sempre manifestar uma mensagem de paz entre os povos, mas esta sexta-feira cada detalhe pareceu ter um simbolismo reforçado.
O momento alto foi a entrada das duas delegações coreanas no Estádio Olímpico de Pyeongchang, com os atletas vestidos de branco e com a bandeira da Coreia unificada a ser transportada por desportistas dos dois países. Nos altifalantes ouvia-se simplesmente “Coreia”. Seguiu-se um dos momentos mais tocantes da noite, com uma interpretação a solo do Arirang, uma música tradicional coreana que é acarinhada dos dois lados da fronteira e é vista como o hino de uma futura Coreia unificada.
O presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, saudou o “poder unificador” evidenciado pela entrada conjunta da delegação coreana. “Todos nós estamos tocados por este gesto magnífico e todos nos juntamos a vós e apoiamos a vossa mensagem de paz”, afirmou.
Perto do final da cerimónia, duas pombas brancas foram iluminadas no centro do estádio, acabando por formar apenas uma, enquanto artistas interpretavam Imagine, composta por John Lennon – uma música que se tornou numa espécie de hino global da paz.
Encontro inédito
O mundo assistiu também ao primeiro cumprimento público entre o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e os dois dirigentes norte-coreanos que encabeçam a comitiva política em Pyeongchang. Ao lado do chefe de Estado norte-coreano, Kim Yong-nam, um veterano cujo cargo é puramente simbólico, estava a irmã do líder, Kim Yo-jong, que se tornou no primeiro elemento da família Kim a visitar a Coreia do Sul.
Este sábado, Moon terá um almoço com os dirigentes norte-coreanos, durante o qual se espera que venham a ser delineadas as próximas etapas do processo diplomático. Neste momento, o grande objectivo do Governo sul-coreano é manter as linhas de comunicação com Pyongyang abertas e tentar encontrar espaços de cooperação – sem pôr em causa, porém, o actual regime de sanções económicas aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, que pune os testes nucleares e balísticos feitos pela Coreia do Norte.
Ao mesmo tempo que no centro do estádio se espalhavam mensagens de paz, amor e união, a política real ia fazendo o seu caminho. A tribuna presidencial funcionou como uma espécie de metáfora do jogo de xadrez diplomático em curso. Ao lado de Moon sentou-se o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, o mais alto representante do aliado que garante a segurança da Coreia do Sul desde o fim da Guerra da Coreia. Na fila de trás estiveram sentados os dois dirigentes norte-coreanos, para quem Moon se virou em pelo menos duas ocasiões durante a cerimónia para os saudar.
Entre Pence e os responsáveis norte-coreanos, o clima permaneceu frio, com ambos os lados a ignorarem-se olimpicamente. O vice-presidente norte-americano abandonou uma recepção para os líderes mundiais oferecida por Moon ao fim de pouco mais de cinco minutos, revelaram várias publicações internacionais, com a intenção de não ser forçado a um muito provavelmente incómodo aperto de mão à irmã de Kim Jong-un.
Durante o jantar, Moon tentou ganhar apoio junto dos restantes líderes para o seu esforço diplomático. "O facto de estarmos aqui todos juntos irá marcar o precioso início do nosso primeiro passo na direcção da paz global", afirmou, citado pela agência estatal Yonhap.
Mike Pence deslocou-se a Pyeongchang com uma missão bem definida: não deixar o mundo esquecer que a Coreia do Norte é um Estado pária, violador dos direitos humanos da sua população e, por isso, deve ser isolada. Na sua comitiva fez questão de incluir Fred Warmbier, o pai do estudante norte-americano de 22 anos que morreu no ano passado, depois de ter estado 17 meses detido na Coreia do Norte, onde terá sofrido lesões que lhe custaram a vida. Poucos dias antes de partir para Pyeongchang, Pence garantiu que os EUA irão brevemente aplicar um novo pacote de sanções contra a Coreia do Norte.
Apesar de dar mostras de estar disponível para melhorar as relações com os vizinhos do Sul, Kim mantém o seu programa nuclear fora da mesa das negociações. Na véspera do início dos Jogos de Inverno, o líder norte-coreano assistiu a um desfile militar para comemorar o 70.º aniversário da fundação do Exército Popular da Coreia que incluiu mísseis intercontinentais. A convicção de Pyongyang é a de que é apenas a capacidade para ameaçar os EUA e os seus aliados com um ataque nuclear que garante a sobrevivência do regime.
“Kim parece esperar convencer a comunidade internacional que pode coexistir com uma Coreia do Norte nuclear, tal como fez o Paquistão”, escreve no Korea Herald o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros sul-coreano, Yoon Young-kwan.
É neste complexo emaranhado de prioridades divergentes que Moon, o homem que foi eleito com a promessa de voltar a dialogar com o Norte, tenta navegar. Apenas o fim dos Jogos e das “tréguas olímpicas” poderão indicar se o ciclo de violência foi rompido. Se tudo o resto falhar, o Presidente sul-coreano poderá pelo menos dizer que pôs dirigentes norte-americanos e norte-coreanos a ouvirem Imagine a poucos metros de distância.