Joana Vasconcelos com exposição no Museu Guggenheim Bilbao… e talvez em Serralves
Exposição que chega a Espanha no Verão talvez venha ao Porto em 2019.
Com 35 peças, o Museu Guggenheim de Bilbau vai inaugurar em Junho uma exposição da artista Joana Vasconcelos, apresentada como a primeira individual de um artista português a ter lugar no museu espanhol. “A exposição, que não é uma retrospectiva, nem uma antológica, terá 14 peças novas”, explicou Joana Vasconcelos numa conferência de imprensa de apresentação da exposição, que teve lugar no atelier da artista em Lisboa, onde estavam presentes também os dois comissários, Petra Joos, do próprio Guggenheim, e Enrique Juncosa, curador independente e antigo subdirector do Museu Rainha Sofia, em Madrid.
“Estamos a finalizar a itinerância. A ideia é que venha a Portugal. A ideia é vir a Serralves e depois ir para Roterdão”, explicou Joana Vasconcelos ao PÚBLICO, durante a conferência de imprensa, interrogada sobre se seria possível ver a exposição em Portugal depois de Espanha. As datas, acrescentou, ainda não estão definidas para o Porto.
À margem da conferência de imprensa, Petra Joos, conservadora-cha efe de Bilbao, esclareceu que as negociações com o Museu de Arte Contemporânea de Serralves ainda estão a decorrer, tal como com o Kunsthal de Roterdão. “Há um grande interesse, mas neste momento ainda não podemos confirmar. Mas tenho a certeza que a exposição vai acontecer em Serralves.”
Contactado pelo PÚBLICO, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, através do gabinete de imprensa, diz apenas que não tem qualquer comentário a fazer.
Intitulada I’m Your Mirror, numa homenagem a Nico e aos Velvet Underground, a exposição recua até à obra Sofá Aspirina, feita em 1997, ano em que a artista começou a trabalhar. Como sublinhou Petra Joos, esse é também o ano de inauguração do Museu Guggenheim em Bilbau. Apesar de os comissários não lhe quererem chamar retrospectiva – porque o tamanho monumental de várias obras não permite ao Guggenheim apresentar mais trabalhos -, a exposição cobre 20 anos de trabalho da artista, o que nos provoca “uma emoção especial”.
Entre as 14 peças novas, vai estar I’II Be Your Mirror, uma máscara veneziana feita com 462 espelhos, com 3,5 metros de altura e quase sete metros de comprimento. “A máscara embeleza e esconde”, explica a artista já depois da conferência de imprensa, junto da obra que está em produção no seu atelier. “Qual é a identidade que estou a reflectir?”, pergunta seguidamente a própria artista.
A receber os visitantes do icónico museu desenhado por Frank Gehry, vai estar uma grande escultura pública, intitulada Solitário, outra das peças inéditas. Desta vez, trata-se de um anel de noivado feito a partir de jantes de automóvel e de copos de uísque de cristal, da marca Atlantis. Como explicou a artista aos jornalistas, a “portugalidade”, além da “manualidade”, são inspirações e marcas da sua obra. E se Enrique Juncosa trouxe nomes como Marcel Duchamp, e os seus ready-mades, ou Jeff Koons, e as suas cópias, para discutir o trabalho de Joana Vasconcelos, enquanto Petra Joos falou de Niki de Saint Phalle ou de Louise Bourgeois, a artista não deixou de mencionar a sua filiação numa linhagem de artistas portuguesas, como Helena Almeida e Paula Rego, na genealogia de mulheres importantes para o seu trabalho.
Mas talvez o nome com que Joana Vasconcelos se meça mais em Bilbau seja mesmo Frank Gehry, um dos nomes mais conhecidos da arquitectura mundial, o que se percebe melhor quando chegamos à maqueta da obra verdadeiramente monumental feita para esta exposição, intitulada Egeria, pertencente à série Valquírias. É um site-specific com 30 metros de altura, 36 de largura e 45 de profundidade, que vai ocupar o enorme átrio desenhado por Gehry. Segundo a artista, “numa contaminação positiva do espaço, ocupa o corpo central, atravessa o espaço e entra pelos cantinhos”. Feita de vários tecidos e cores, é insuflada com ar e simboliza, diz o comunicado de imprensa, a invasão — e transformação — do espaço museológico pela mulher.
Voltamos à máscara veneziana, I’ll Be Your Mirror, para nos interrogarmos se essa metamorfose não passa também por uma artista que também se pode ver ao espelho no titânio que cobre no exterior o edifício de Frank Gehry, numa outra espécie de apropriação ou manipulação, uma forma de trabalhar muito comum na obra da artista. Ou como pergunta Enrique Juncosa, num texto feito para a exposição: “O espelho é uma máscara ou a máscara é um espelho?”
Lá dentro, ao lado, estarão também as suas obras mais conhecidas, como Marilyn (2011), os sapatos feitos de tachos e respectivas tampas, Coração Independente (2004-2006), inspirado na filigrana portuguesa, mas feito com talheres de plástico, ou Noiva (2001-2005), um candelabro produzido com tampões higiénicos femininos.
A curadora espera que a nova Valquíria mude o olhar e as emoções que os visitantes têm sobre a obra de Gehry. “O que nos fascinou na obra de Joana é que ela cria a partir de um pensamento crítico, mas nunca deixa de sonhar as emoções, inclusive o romantismo.”
A geração de Joana Vasconcelos está interessada em tudo o que tenha que ver com o significado, tendo abandonado o paradigma da forma, explica Enrique Juncosa, quando lhe pedimos para explicar a relação da obra da artista com Jeff Koons ou Marcel Duchamp. “Está interessada em tudo o que tenha que ver com a identidade: a sexual, nacional, de género.”
Ambos, Koons e Vasconcelos, continuam a tradição de ready-mades iniciada por Duchamp no princípio do século XX. Usam a cultura popular, os seus objectos e imagens, para reflectir sobre um mundo já saturado de imagens, devolvendo muitas vezes as suas obras numa escala monumental.
Mas, ao contrário de Duchamp, Koons e Vasconcelos trazem uma carga narrativa e emocional aos ready-mades. E se Koons os propõe como cópias industrializadas, Joana não apaga a sua manualidade. Num mundo em crise de representação, Joana Vasconcelos não tem uma aproximação cínica, defende o curador, mas antes divertida e carregada de sentido de humor. Se o seu Coração de Viana é de plástico, o de Koons, explica o curador, seria com certeza feito em ouro.
Joana Vasconcelos, que começou a expor 20 anos depois de Koons, pertence a uma geração de artistas interessada na participação do espectador. “Por isso, ao usar imagens que têm muito significado, elas devem ser preenchidas pelo espectador de uma maneira apaixonada.” Se toda a gente vê que o Coração é um coração, “na verdade ele também fala de outras coisas, como a vida quotidiana, ou o fim de uma relação”. Coração Independente, uma imagem romântica, é também um símbolo feminista.
Mas, tal como acontece com Koons, a recepção crítica da obra de Joana Vasconcelos é por vezes polémica, nem sempre acompanhando o sucesso das exposições ou a sua notoriedade junto do público, escreve também Enrique Juncosa no texto para o catálogo.
Se a Noiva foi apresentada na Bienal de Arte Veneza de 2005 com bastante impacto internacional - como lembrou a artista esta sexta-feira tratava-se da primeira bienal com curadoria feminina e a obra foi escolhida para uma das exposições principais pela curadora espanhola Rosa Martínez -, quando Joana Vasconcelos chegou a Veneza em 2013 para representar Portugal a decisão foi bastante criticada em Portugal, porque se tratava de uma escolha sem júri e com a mão directa do Governo. Nuno Crespo, crítico do PÚBLICO, perguntava neste jornal, quando a obra foi mostrada em Lisboa, “É bonito, mas é arte?”, lembrando o desacerto entre a capacidade comunicativa das obras de Vasconcelos e a sua fortuna crítica.
Por tudo isto, uma exposição de Joana Vasconcelos no Museu de Serralves só pode ser vista como um desafio para a programação de João Ribas, o novo director do mais importante museu de arte contemporânea portuguesa.