Agnaldo Farias, um curador brasileiro a caminho da Bienal de Coimbra

O actual curador do Museu Oscar Niemeyer sucede a Delfim Sardo na montagem do próximo Anozero. No currículo, traz a curadoria da Bienal de São Paulo.

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JOANA GONÇALVES

Os nomes de escritores aparecem com mais frequência no discurso de Agnaldo Farias do que os de artistas contemporâneos. O académico e crítico brasileiro que foi convidado pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC) para desempenhar o papel de curador na próxima edição do Anozero, a bienal de arte contemporânea da cidade, reconhece isso mesmo: que os seus trabalhos são “muito ligados à literatura e à poesia”.

E é da literatura que vem o tema da exposição que vai montar em Portugal em 2019, A Terceira Margem do Rio, mote retirado de um conto do escritor brasileiro João Guimarães Rosa. No mesmo sentido, em conversa com o PÚBLICO, Farias vai buscar Drummond de Andrade, Octavio Paz ou Nelson Rodrigues ao outro lado do Atlântico, ou recorre a Rimbaud, Kundera, ou Dante (já desta margem) para explicar as ideias que tem para a sua bienal.

O actual curador do Museu Oscar Niemeyer resgata para o efeito a “ideia de rio como tempo": "As margens são fixas. Dentro disso, há qualquer coisa que é contínua”. No caso de Coimbra, essa continuidade pode encontrar-se “no legado e na herança”. A cidade “vista por fora, é uma referencia muito solida": "É quase um mito. Tem essa dimensão de cidade ancorada na produção do saber”. E pode não passar de um mito, um mito fundador ligado à sua centenária Universidade? “Por isso é que tem que se renovar com esses questionamentos da arte. A ideia de uma bienal em Coimbra é vital para a cidade. para que mantenha sempre esse pé no devir."

Tal como a bienal de 2017, a terceira edição tem como promotores o CAPC, a Câmara Municipal de Coimbra e a Universidade de Coimbra. O curador e o tema para 2019 serão oficialmente apresentados esta quarta-feira em conferência de imprensa.

Sobre artistas, ainda não há muito a dizer, admite o curador nesta conversa prévia com o PÚBLICO. A dois anos de distância, Agnaldo Farias precisa primeiro de ter um orçamento fechado para depois desenhar a exposição. Fala com admiração do artista brasileiro José Spaniol e manifesta a intenção de trazer uma obra que expôs na Pinacoteca de São Paulo, mas que ainda não foi exibida fora do Brasil. Fala também da dupla de artistas portugueses João Maria Gusmão e Pedro Paiva e “do modo pouco usual como eles colocam questões e usam média."

Com a curadoria da importante Bienal de São Paulo no currículo, Agnaldo Farias já trabalhou com orçamentos de outra ordem de grandeza. Para já, trabalha com indefinição. Ainda não sabe com quanto vai contar para a terceira edição da bienal de Coimbra, mas espera que o montante seja idêntico ao anterior.

A vontade do director do CAPC, Carlos Antunes, é pelo menos manter a fasquia orçamental, que se fixou em 325 mil euros para a última edição. Este montante “pode subir, dependendo do apoio” que a organização consiga assegurar. À semelhança do que aconteceu em 2017, haverá a tentativa de recorrer a fundos comunitários. E para a procura de apoios internacionas, o director do CAPC refere que a segunda edição “deu uma credibilidade” que a iniciativa ainda não tinha. “A primeira edição era uma promessa de bienal."

Outra questão a definir é o espaço disponível. Longe de ter sido o único lugar ocupado pela bienal de 2017, o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova constituiu-se como principal área expositiva da mostra de arte contemporânea. Agnaldo Farias já visitou o edifício, que diz ser “deslumbrante”. Mas a disponibilidade do mosteiro para a bienal de 2019 ainda não está garantida. O espaço integra o lote de edifícios incluídos no programa Revive, que prevê a concessão de monumentos que são propriedade do Estado português a privados, para fins turísticos. A utilização do mosteiro fica assim condicionada ao desenrolar do processo de concessão, mas Carlos Antunes assegura que os promotores demonstraram vontade de garantir a abertura de portas ao Anozero. Mesmo que não se possa aproveitar a totalidade do espaço, “a utilização de parte [dele] é uma enorme possibilidade”. Há também “vontade da tutela” para que essa ideia avance, adianta o director do CAPC.

Não obstante, o Anozero nunca passará exclusivamente pelo Mosteiro. “Agrada-me a ideia de espalhar pela cidade”, de “espalhar a obra no espaço”, antecipa Farias. Sobre a diferença de escala entre Coimbra e a metrópole paulista, o curador que sucede a Delfim Sardo explica que em São Paulo tem de jogar com os 32 mil metros quadrados à sua disposição, e que não são necessariamente uma vantagem. “Qualquer coisa que você coloca fora disso, São Paulo esmaga. Aqui é diferente”.

Mas “a bienal deve acontecer muito antes da bienal”, entende Farias. Antes de arrancar a próxima edição, o Anozero irá marcando a contagem decrescente com debates, conversas, exposições ou publicações. Nada que esteja definido, mas que é intenção do novo curador colocar em marcha. 

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