A propósito das futriquices à volta do ranking dos exames
A quem interessa a sobrevalorização dos resultados dos exames nacionais?
Quase a atingir a maioridade, a publicação do ranking dos exames (designação correta usada pelas jornalistas do PÚBLICO Bárbara Wong e Clara Viana) surge cada vez mais tardiamente (este ano em fevereiro, no ano transato em dezembro, em novembro de 2013 e em outubro de 2005) e com objetivos simplistas: graduar as escolas pelos resultados dos exames dos alunos que as frequentam.
O Ministério da Educação está obrigado a fornecer os dados dos exames e a imprensa elabora os rankings. Reconheço e louvo o trabalho que alguma imprensa escrita, com apoios de entidades externas, desenvolve durante semanas na preparação deste dossiê temático, mas, não o desmerecendo, traduz-se em muita parra e pouca uva.
Parece-me que usar só uma fonte (aplicando linguagem jornalística), porque construído com base apenas na média dos resultados dos exames por escola, ignorando critérios essenciais, distorce a realidade e torna-se num instrumento perigoso e injusto para as escolas — alunos e professores —, ludibriando-as, caso não percecionem a limitação intrínseca desta falsa tabela classificativa.
Onde se encontram valoradas as competências sociais com que um aluno sai da escola? Por que não é atribuído o devido valor à sua evolução? Qual a importância atribuída aos percursos diretos de sucesso (percentagem de alunos de uma escola que ficou sempre aprovada e obteve positiva no exame final)? Porque não se circunscrevem as comparações a escolas com o mesmo perfil de alunos? Porque não são relevadas as qualidades pessoais destes (empenho, dedicação ao estudo, assiduidade, entre outras)? E, na mesma medida, o efeito da escola sobre os discentes (valor que esta lhes acrescenta, desde que entram até que saem da escola), a estabilidade do corpo docente, o nível socioeconómico dos pais e encarregados de educação e da região onde a escola se insere, a motivação dos alunos e famílias, o efeito das explicações e/ou outros apoios extra sala de aula? Será que faz sentido consumirem-se três anos no treino intensivo dos alunos para (somente) exames?
Todavia, o busílis da questão não está nos rankings, qualquer que seja a designação que se lhes atribua (das escolas, dos exames, dos resultados dos alunos...). O verdadeiro problema consiste no acesso ao ensino superior, em que o exame é d(en)ominador!
Tendo em conta a obrigatoriedade do ensino secundário e os exames serem uma componente da avaliação final, fará sentido a entrada no superior depender da avaliação externa? Como se avalia a equidade, que tanto se apregoa? É razoável atribuir um papel incomensuravelmente redutor a este nível de ensino que, na prática, se limita ao cumprimento de metas para triagem que deveria ser realizada pelas universidades?
A avaliação externa assume-se, desta forma, impessoal, uma tecnologia. Os exames não são elaborados para que se aprenda, antes, porém, têm como finalidade a certificação, com efeitos marcadamente seletivos no ensino secundário (à semelhança do superior). As desvantagens são, seguramente, maiores do que qualquer proveito que possa advir da sua realização (mobilização da escola para melhorar as suas práticas). Desde logo, porque interferem sobremaneira no trabalho das escolas, ensinando-se para os exames (efeito “washback” – efeito retroativo), perspetivado a pensar nos rankings. Estes, por sua vez, vão influenciar as escolhas das famílias, contribuindo, como referiu a OCDE, para um sistema escolar mais segregado.
Com os olhos postos nos exames nacionais, tendo por pretensão o ingresso no ensino superior, a ditadura imposta a este nível de ensino declara que as aprendizagens priorizem os conteúdos programáticos prescritos por programas extensos, castradores, levando a que as escolas, numa subserviência implícita, secundarizem outros desempenhos, assim como o desenvolvimento de competências dos alunos no âmbito do empreendedorismo, da formação pessoal e cívica, da criatividade e do livre arbítrio, a título de exemplo, que lhes vão ser solicitadas mais tarde, durante os cursos superiores e, inequivocamente, na vida ativa.
Urge debater e refletir mais aprofundadamente o acesso ao ensino superior, devendo este tópico merecer, igualmente, o interesse e contributo dos responsáveis e corpo docente deste nível de ensino, que, não raras vezes, se queixam da impreparação com que lhes chegam os alunos. Baixe-se o tom das lamentações e aumente-se a vontade de resolver um problema que se arrasta há muitos anos e ninguém demonstrou, ainda, capacidade de o abordar condignamente, votando-o ao esquecimento, adiando-o ad aeternum.
Enquanto não se concretizar este desígnio, a pergunta é óbvia: a quem interessa a sobrevalorização dos resultados dos exames nacionais?
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico